25/05/2020 Arquitetura Viva
Arquitetura Biofílica
Sempre é possível articular estratégias que tragam o natural para o ambiente construído, não importa o tamanho, o porte, a tipologia do edifício e nem mesmo o padrão da obra. E é disso que queremos falar, da arquitetura biofílica. Um tipo de arquitetura que busca inspirações e respostas no mundo natural e tenta trazê-las ao ambiente construído de forma a otimizar a performance humana em seus mais diversos desempenhos.
Não podemos mais entender a arquitetura de casas como “a máquina de morar”, tampouco os ambientes corporativos e as fábricas como “lugar de produção”! O mundo se apresenta muito mais complexo em suas relações diversas e a capacidade humana em absorvê-las se faz cada vez mais necessárias. As formas de interação mudaram. Somos capazes de ver, ouvir, falar, provar, sentir e relacionar tudo isso, de imediato, ao mesmo tempo. Todas essas somas e relações entre sentidos cria novos sentimentos, novas formas de perceber o espaço. Estamos evoluindo de um mundo mecanicista para um mundo cada vez mais orgânico.
Feche os olhos e imagine estar sentado em um lugar bem iluminado, bem ventilado e de frente a um robusto jardim tropical. Quais suas sensações estando nesse ambiente? Seguramente uma agradável sensação de bem estar e felicidade lhe foi proporcionada, pois nossa essência é parte da natureza. Tudo que bebemos e comemos de forma natural foi gerado e gestado por ela de alguma forma. Temos esse sentimento de “fazer parte” e isso nos traz um grande conforto. Estando bem nutridos de verde, luz e ar naturais, temos mais para dar nosso melhor. Ao contrário, ambientes mal iluminados, por exemplo, podem trazer prejuízo no desempenho dos colaboradores, já que a ausência de luz natural estimula a retina a mandar sinais ao nosso relógio biológico, que emite uma informação ao gânglio cervical superior para que libere noradrenalina que, por sua vez, vai estimular a glândula pineal a secretar melatonina, induzindo ao sono e baixando a produtividade deste colaborador.
A melhoria de desempenho também pode ser percebida em pacientes de hospitais que adotam a biofilia em seus projetos. Pisos de madeira, paredes de terra crua, portas e janelas que se abrem para o verde, são informações recebidas por nosso cérebro, que despertam a tranquilidade, reduzindo significativamente o tempo de internação e a quantidade de medicamentos e anestesias, proporcionando um quadro de pacientes recuperados em tempos menores que o habitual. “Nossos cérebros são programados para o convívio com a natureza. Privá-los disso pode causar resultados negativos em seu desempenho.” (Andrea de Paiva). Hospital da rede Sarah , Centro de Neurorreabilitação SARAH Fortaleza . Arquiteto joão Filgueiras Lima, Lelé.
Hoje existe na construção civil uma série de selos de sustentabilidade que podem dizer sobre o nível de eficiência de cada edifício. O contato com o verde, a luz e ventilações naturais fazem parte dos critérios avaliados desses edifícios e possuem um peso expressivo em sua pontuação.
Diante destas percepções e constatações, a arquitetura tem um papel fundamental de proporcionar ambientes que respeitem o ciclo circadiano (o nosso relógio biológico). E não é só sentimento ou sensação, a neurociência hoje comprova todos os benefícios gerados por essas relações supracitadas. De olho na ciência e nos estudos que essa área tem gerado, estão os empresários e o mundo corporativo, pois como reflexo da felicidade está a produtividade e o compromisso com o resultado. Afinal, gente feliz quer fazer bem, quer realizar! Com a criatividade transbordando, o coração sereno e o estresse minimizado, o humano habitante deste tipo de local pode aproveitar um pouco de si mesmo, num desses raros momentos mágicos que só a natureza pode proporcionar. Conexão, foco e ação transformam-se em constantes nos ambientes biofílicos, já que a comunicação entre o dentro e o fora passa a acontecer numa linearidade sem ruídos.
De origem grega, a palavra biofilia quer dizer amor à natureza, bio = natureza, philia = amor, e é muito mais ampla quando podemos perceber os resultados das diversas conexões que ela é capaz de proporcionar.
É fato que nossos sentidos se aguçam na presença de elementos naturais, estimulando gatilhos mentais que nos fazem reconhecer sensações de acolhimento, já que despertam e conectam tato, olfato, visão, audição e paladar, transformando-os em um sentimento ainda maior. Já que tudo isso regula com nosso organismo no estímulo ou restrição, para liberação de hormônios e equaliza nosso ciclo circadiano à nossa jornada fazendo-nos mais felizes e produtivos.
Estamos vivendo um momento lindo e delicado, mas que aguardávamos ansiosos por chegar! Em pleno século 21, a humanidade parou! O ritmo insano dos dias e anos, se resumindo diariamente em horas consigo mesmo. Que momento lindo! Que grande oportunidade estamos tendo de nos reinventar!!! O passo agora é entender que estamos vivendo um salto em todas as direções que a humanidade possa seguir e desenvolver.
Entender que os ambientes construídos devem seguir todos os tipos de inovações que estão sendo apresentadas. Entender, como sugere Ricardo Guimarães, que “o vírus põe em xeque os mecanismos de controle, pois ele vem do mundo dos organismos.
Ele questiona o padrão mecânico que a gente tanto “endeusa” em nossa cultura”. Seja na economia, na indústria, no ensino, na mobilidade, na logística… seja onde for, será impactado! E para nós, arquitetos, temos que entender a arquitetura como um espaço que deve absorver todo tipo de inovação e traduzi-la em espaço. Esses espaços devem melhorar todas as percepções, despertar gatilhos, trazer memórias, melhorar frequência, aumentar o foco, desenvolver o raciocínio, criar sentimentos…enfim, esses espaços devem ser orgânicos, devem conversar com nosso DNA, despertar o que há de melhor em nós!
Apesar de todas as dificuldades que estamos enfrentando, minha insana esperança me faz acreditar que sairemos muito melhores do que entramos! Ou como relata Ricardo Guimarães, fundador da Thymus, que em visita a um museu leu “o que a lagarta chama de fim, o resto do mundo chama de borboleta”
Luana Lousa
Bioarquiteta
arqbiolua@gmail.com