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08/11/2018 Educação

A geração IA e o direito da criança ao brincar

Independentemente do referencial teórico adotado ao tratar da educação para a infância, é possível identificar um ponto em comum, dentre diversos: a ação lúdica é essencial no processo de desenvolvimento, aprendizagem e constituição da personalidade das crianças.

O direito ao Brincar encontra-se claramente definido no ordenamento jurídico nacional e internacional. Desde a Declaração dos Direitos das Crianças, ao estabelecer que “a criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito”, reiterado na Convenção dos Direitos da Criança (1989) em seus artigos 24 e 31, na Constituição Federal de 1988, no Brasil, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente (1988) reafirma-se que: “o direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: […] IV – brincar, praticar esportes e divertir-se”. Parece não haver mais dúvidas.

E a sociedade tem se imbuído em promover oportunidades para assegurá-lo, a exemplo da recém-publicada Base Nacional Comum Curricular que estabelece o Brincar como um dos eixos da ação pedagógica na educação infantil.

Se por um lado não faltam leis que assegurem o direito da criança ao brincar, por outro, um grande desafio, dentre muitos, se instala: preservar a segurança da criança neste mesmo, quer em casa ou nos demais espaços em que se insere, especialmente a escola, em face os desafios que se apresentam com a chegada da tão proclamada “Era da IA – Inteligência Artificial”, no cerne da “Quarta Revolução Industrial” exigindo-se, tanto das políticas públicas, quanto da sociedade civil, especialmente a educação, um olhar atento sobre este brincar. Por quê?

Estamos tratando de uma geração de crianças nascidas em 2010, denominadas Geração IA (Inteligência Artificial), Geração Alpha ou Geração Touch, que vivem em contato contínuo com os dispositivos tecnológicos, inaugurando novas formas de relacionar-se com o mundo e aprender, destacadamente através de sua ação lúdica, ancorada no uso da Realidade Virtual, a Internet dos brinquedos,  Internet das Coisas que Cuidam, a Computação Afetiva, na Monitoração e Dataficação da Infância; Robotização da infância, dentre outras possibilidades inimaginadas por nós.

Os brinquedos inteligentes ou smart toys e robôs companheiros – dotados de Inteligência Artificial e Computação Afetiva tem como objetivo, além de entreter e ensinar as crianças, aprender com os mesmos seres humanos e estabelecer uma relação afetiva duradoura com eles. Como exemplo tem-se os Toymail, um talkie com WiFi no formato de ursinho, que permite o contato entre pais e filhos que estão distantes, através de mensagens de texto e áudio, sem que seja necessária a antecipação da entrega de um telefone celular. Outro exemplo é o ursinho Elo, um brinquedo brasileiro especialmente projetado pelo Hospital Amaral Carvalho em Jaú, interior SP, para permitir contato entre as crianças oncológicas internadas em isolamento como seus parentes e amigos, socializando-se virtualmente.

Estes brinquedos, dentre outros, integram-se a onda da “Internet das Coisas que Cuidam” (Relatório Trendwatching, 2014), tecnologias avançadas cujo objeto é trazer conforto afetivo para os seres humanos. Contudo, se o uso da tecnologia por crianças oferece oportunidades, também há riscos que precisam ser mitigados por ações específicas.

Conforme a Pesquisa Tic Kids Online (2017), crianças brasileiras utilizam a tecnologia digital de forma intensa e crescente, permitindo predizer a rapidez com que se fará a adoção de brinquedos conectados, tão logo cheguem ao Brasil. Neste cenário, temas como privacidade e segurança digital, devem ser cuidadosamente pensados para proteger as inúmeras informações pessoais contidas nestes objetos conectados.

Muito mais do que preservar o tempo livre da criança ao brincar, trata-se de preservar a segurança da criança ao brincar, quer em casa ou nos espaços educativos em que se insere.

Urge considerar que a tecnologia sozinha não é suficiente. Para obter todos os seus benefícios, pais e educadores precisam pensar na educação, no processo de ensino e aprendizagem de novas maneiras, concentrando-se menos na oferta de instruções, e mais na criação de oportunidades para que crianças explorem, experimentem e se expressem.

Destaque-se que a habilidade imediata das crianças em lidar com dispositivos eletrônicos, é distinta de sua capacidade de analisar e ponderar a coleta e o tratamento de dados e/ou às ferramentas de segurança de tais dispositivos.

Novos dilemas éticos configuram-se, exigindo práticas ainda mais alinhadas com os direitos e com o bem-estar das crianças, afinal, independentemente de sua repercussão, as tecnologias avançadas se tornarão cada vez mais poderosas e responsáveis por um novo cenário infantil, sendo impossível deter sua aproximação à infância, independentemente de qual reflexão profunda se faça sobre seu impacto no desenvolvimento infantil.

Considere-se, também, que nem sempre os interesses mercadológicos encontram-se alinhados às necessidades das novas gerações (Yip, 2016); e o alcance global dos smart toys, com ou sem finalidade educativa, pode impactar milhares de crianças.

Faz-se necessária uma ação enérgica daqueles que cuidam e educam para impedir qualquer violação ao direito à privacidade e à segurança dos pequenos, atuando educativamente, desde a mais tenra idade, criando espaços de reflexão sobre o uso ético das tecnologias inteligentes voltadas para a infância, bem como estimulando as crianças – futuros profissionais – a aliar tecnologia à humanidade, desenvolvendo, urgentemente, sua inteligência emocional digital.

Colaboradores

Rosemary Ramos