17/08/2018 Educação
Autoconhecimento e Educação: Uma profunda e necessária integração.
Três grandes perguntas coexistem em nosso cotidiano, cujas respostas seriam o equivalente a encontrar o Santo Graal: De onde viemos? Porque estamos aqui? Para aonde vamos? Na Antiguidade, especificamente na Grécia Antiga, para obter respostas às questões desta natureza, dentre outras, a humanidade encaminhava-se ao Oráculo do Templo de Delfos sem observar que uma resposta era oferecida logo na sua chegada através da inscrição constante no Pórtico do Templo: Conhece-te a ti mesmo.
Muitos séculos nos separam deste aforismo. De lá para cá, com as grandes transformações pelas quais a humanidade foi passando, à famosa inscrição do Templo de Delfos foram se agregando ideários diferenciados para responder às nossas inquietantes perguntas iniciais, bem como orientar de onde e como buscar o autoconhecimento.
Na Idade Média, por exemplo, secundarizou-se a noção de autoconhecimento em função do fortalecimento da ideia de Deus – um único Deus. Na Modernidade, distanciamo-nos significativamente do ideário constante no Templo de Delfos, com a desconstrução dos mitos e a substituição da noção de divino, do esoterismo e dos fenômenos sobrenaturais, pela razão pura para explicar os fenômenos da natureza. A Ciência nasce, a religião perde o valor. Acelera-se o desenvolvimento social, econômico, político. Aciência adquire um grande impulso, a tecnologia dá grandes saltos, mas os seres humanos continuam com mais dúvidas que certezas sobre sua razão de existir, fortalecendo-se um olhar e noção revolucionária sobre o que seria autoconhecimento, a noção de self, a partir da estruturação do novo paradigma científico da pós modernidade no qual a ciência moderna deixa de ser compreendida como única ou a melhor forma de explicação possível da realidade.
Na atualidade, vivemos um processo de desenvolvimento social, científico e tecnológico em uma velocidade sem precedentes. A realização e auto-realização vira sinônimo de “ter” cada vez mais, em detrimento do “ser”.
A preocupação de que a exacerbada evolução tecnológica impulsione o processo de desumanização do mundo mobiliza Edgar Faure (1971) a publicar junto a UNESCO o relatório “Aprender a Ser”, no qual sinaliza como grande desafio para a educação fornecer às crianças forças e referências intelectuais que lhes permitam compreender o mundo que as rodeia e se comportar nele como atores responsáveis e justos.
De forma sem precedentes, o autoconhecimento adquire notoriedade manifestando-se através de áreas diversas do conhecimento, práticas, métodos, filosofias e princípios diferentes, a exemplo da religião, meditação, peregrinação, terapias, psicoterapias, oráculos, filosofia, etc. Todos têm algo em comum: impulsionar o homem a procurar dentro de si o autoconhecimento, nos remetendo a milenar citação do oráculo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo…”.
Faure ainda defende que “o desenvolvimento tem por objeto a realização completa do homem, em toda a sua riqueza e na complexidade de suas expressões e dos seus compromissos: indivíduo, membro de uma família e de uma coletividade, cidadão e produtor, inventor de técnicas e criador de sonhos” (1972, p. 34), manifestando-se desde o “nascimento até a morte, em um processo dialético que começa pelo conhecimento de si mesmo para se abrir, em seguida, à relação com o outro”. De acordo com Faure (1972, p. 13), o processo educativo deveria ser “antes de mais nada uma viagem interior, cujas etapas correspondem às da maturação contínua da personalidade”. E a educação deveria ser o caminho para tal alcançar.
Precisamos reconhecer que os currículos escolares estão cada vez mais sobrecarregados e utilitaristas. Falta-lhes o equilíbrio entre um trabalho educativo que propicie ao estudante espaço e tempo para compreender o mundo, compreender o outro em sua especificidade, revalorizando as dimensões ética e culturais da educação e fornecendo recursos para o desenvolvimento de habilidades para a vida. O que, de acordo com a UNESCO, se inicia com a “compreensão de si mesmo em uma espécie de viagem interior, permeada pela aquisição de conhecimentos, pela meditação e pelo exercício da autocrítica” (1998, p. 10). Acima de tudo, aprender a ser. “Permitir que cada um venha a tomar consciência de si próprio e de seu meio ambiente, sem deixar de desempenhar sua função na atividade profissional e nas estruturas sociais” (1998, p. 12). Para muitos um projeto educativo em escola formal desta natureza pode parecer utópico. Contudo, o Brasil já possui experiências inovadoras neste campo desde 1996.
Um dos exemplos é o projeto educativo da Ananda – Escola e Centro de Estudos (Salvador/Bahia), que possui um currículo que integra Ciência, Arte e Espiritualidade, desenvolvendo estudos e práticas de autoconhecimento e de meditação com as crianças desde a Educação Infantil até o Ensino Médio.
No Ensino Superior, desde 2006, temos o Instituto Superior de Educação Ocidemnte – ISEO, cuja matriz curricular inovadora é constituída por disciplinas de Autoconhecimento e Conscienciologia, além daquelas requeridas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Consolidando, assim, um projeto educativo que se propõe à formação do educador em uma perspectiva, de fato, integral.
Além destas duas instituições que se destacam no Brasil por seu pioneirismo, podemos citar experiências recentes de práticas de meditação em sala de aula, como aliada ao ensino, tanto em escolas privadas como estaduais, a exemplo da experiência do Estado do Espírito Santo com seu projeto de Educação em Valores, Desenvolvimento Humano e Cultura de Paz desenvolvido em dez escolas da rede pública; a experiência da Escola Desdobrada Lupércio Belarmino da Silva, no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis; a Escola Inkiri e a Eco-habitare.
Nós da revista EstimuladaMente acreditamos que a incorporação deste ideário nos mais diversos campos de ação do viver do homem é de grande valor, por impulsioná-lo ao seu primeiro e mais precioso tesouro: o conhecimento de si mesmo. Descalços, despidos do ego, cansados desta longa peregrinação é chegada a hora da humanidade mergulhar em sua própria subjetividade, nos subterrâneos do inconsciente, de forma direta, intuitiva, pelo autoconhecimento que nos conduz à autocompreensão e à autoaceitação, ao respeito e acolhimento por nós mesmos e, portanto, ao reconhecimento deste mesmo direito ao outro.
Notas de Referências:
DELORS, J [et al]. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI (1998). ONU: Brasília, 2010.
FAURE, Edgar. Learning to be: the world of education today and tomorrow. UNESCO: Paris, 1972.