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05/11/2020 Vida no trabalho

Trabalho Líquido

O conceito de modernidade líquida foi desenvolvido pelo sociólogo e filósofo polonês Zygmunt Bauman e diz respeito a uma nova época em que as relações sociais, econômicas e de produção são fugazes, voláteis e maleáveis, como os líquidos, que escorrem pelos vãos dos dedos.

Essa ideia surgiu em oposição ao que o próprio Bauman chamou de modernidade sólida, caracterizada pela rigidez e durabilidade das relações humanas, de trabalho, da ciência e do pensamento. Mas, apesar dos aspectos negativos reconhecidos por ele mesmo acerca da modernidade sólida, o aspecto positivo era a confiança na concretude das instituições e na consistência das relações humanas. O que se pretendia, em outras palavras, naquele contexto, era um cuidado com a tradição.

Contrapondo à perspectiva da tradição, a preocupação constante no cenário contemporâneo é com a inovação. E esse pensamento fixo tem refletido em diversos comportamentos sociais. De acordo com Bauman, as relações entre os indivíduos nas sociedades tendem a ser menos frequentes e menos duradouras, o que tem provocado reflexos revolucionários nas relações amorosas que deixam de ter aspecto de união e passam a ser um acúmulo de experiências, no adoecimento dos indivíduos oriundo da insegurança e do medo como parte estrutural da constituição do sujeito, ou até mesmo pela via da arrojada flexibilização das relações de trabalho ocasionando a diminuição ou até mesmo a perda do vínculo entre empresa e trabalhador.

Diante desses apontamentos da lógica líquida destacados na literatura de Bauman, temos a Emancipação, representada pela busca da liberdade, instigando as pessoas a serem mais ativas e questionadoras da sociedade; a Individualidade, visto que o indivíduo tem feito escolhas e agido por si mesmo, sem considerar aspectos relevantes como cooperação e solidariedade; o Tempo-espaço, já que a tecnologia atua fortemente como o agente de fragmentação desse conceito – cada vez cabem mais coisas no mesmo período de tempo nos espaços virtuais; e o Emprego, na realidade o desemprego estrutural, uma vez que as relações profissionais são mais instáveis e efémeras.

Nessa direção, o propósito e os interesses das empresas e dos indivíduos não ficam claros para nenhuma das partes e, assim, ambos tendem a desconfiar da importante lealdade em relação ao trabalho. É um processo de derretimento dos laços… O trabalho está sendo descorporificado, fazendo com que um dos parceiros dessa relação saia da gaiola, alçando voos… muitas vezes voos solos… ocasionando uma pulverização de voos de empreendedorismo.

Esse distanciamento intensificado pela fluidez e pela mobilidade do mundo digital nos leva a alguns dilemas: na era da instantaneidade, como as empresas vão produzir mais com menos engajamento das pessoas? Com os laços desatados, teremos todos o perfil de empreendedor? Com as pessoas investindo cada vez mais em si mesmas como empresas, fazendo propaganda de si mesmas, será que chegaremos ao estágio do pensamento do economista Giovanni Arrighi, que pode ser mais lucrativo investir capital no sistema econômico em vez de investir na produção?

É com estas indagações, e diante cenário VUCA* que nos encontramos, que encerro esta reflexão. Vamos falar mais sobre isso? Acompanhe a nossa coluna na próxima edição.
*vide este tema na coluna Vida no Trabalho na edição 12, 2019.

Sandra Rêgo
Psicóloga
sandra@sandrarego.com.br

Colaboradores

Sandra Rêgo

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