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07/01/2021 Alimentação

Sopa de letrinhas indecifráveis

Produtos industrializados estão relacionados com facilidade. A maior parte, nos livra do trabalho do preparo ou nos garante que sempre há algo pronto para comer. No entanto, para durar tanto tempo, viajar centenas ou milhares de quilômetros em condições às vezes adversas, e evitar que sejam devorados pelos bichos, foram sendo adicionadas qualidades menos desejáveis do que a praticidade. Por esta razão prefiro me referir a produtos ao invés de alimentos. A maior parte, acaba exercendo função antinutricional e, diversas vezes, até prejudicial, tóxica. Mesmo que os conservantes fossem necessários, proliferam corantes, aromatizantes, espessantes, e outros artifícios usados apenas para dar cores, texturas e sabores artificiais e sedutores.

Nos anos 80, o médico brasileiro Márcio Bontempo publicou o “Relatório Órion”, um livro de denúncia sobre os perigos dos aditivos alimentares e agrotóxicos. Naquela época, ele já mencionava: “hoje comprova-se que a maior parte das doenças, principalmente as degenerativas, são provocadas pela alimentação desequilibrada e degenerada”. O autor questiona por que os profissionais de saúde, autoridades sanitárias e entidades governamentais se negam a voltar as atenções para esta questão, e conclui o óbvio: interesses comerciais e o poder da indústria, que acabaram se comprovando na censura e proibição da venda do livro. Os aditivos alimentares possuem “doses mínimas toleradas”. No entanto, falta informar sobre a quantidade individual segura destes “alimentos”, e agrava o fato de que muitos deles estejam voltados ao público infantil, e outra grande parte, cada vez mais, voltada àqueles que buscam saúde.

Nos mesmos anos 80, em algum lugar minha mãe leu sobre este tema e nos alertava a ler os rótulos, ensinando a identificar nas letras e números, qual tipo de corante era natural, o C1, e qual era artificial, o C2, potencialmente cancerígeno. Cresci com este hábito e, hoje, trabalhando com alimentação saudável, percebo como ainda falta educação neste sentido. A maioria das pessoas confia nos produtos embalados, principalmente por sua higiene, sem perceber que a sujeira química pode ser mais perigosa do que a sujeira física, aquela que se pode limpar.

Acompanhando fórmulas cada dia mais complexas, as letras dos rótulos foram ficando cada vez menores e estrategicamente posicionadas para transmitir aquilo que interessa para vender, e ocultar o que poderia ser repulsivo. Para alguns produtos, é necessário o uso de lupa para ler os ingredientes, ao passo que palavras como “natural” ou “saudável”, geralmente podem ser vistas de longe. Em outubro passado, a Anvisa aprovou novas leis de rotulagem, onde as informações nutricionais ficam mais explícitas e mais fáceis de ler, incluindo um aumento no tamanho da fonte, e alertas sobre a quantidade de gordura, sal e açúcar, já que se tornou inegável a crescente epidemia de diabetes e doenças coronárias. Esta lei deverá começar a ser aplicada nos próximos dois anos. Porém, os códigos em letras e números das dezenas de aditivos químicos continuarão indecifráveis. Por isso, este artigo alerta para que estas informações sejam dissipadas.

Atualmente, com internet nos celulares, é possível decifrar em poucos minutos os enigmas dos rótulos, para saber o que estamos colocando para dentro de nosso corpo. A página em espanhol https://e-aditivos.com/ é o guia mais completo e simples que conheço para consultar rapidamente sobre aditivos alimentares. Ali, podemos saber se o aditivo é de origem animal, vegetal ou sintética, e perceber que a maior parte é suspeita ou perigosa, sendo a minoria aqueles autorizados por lei ou sem risco para a saúde. Alguns aditivos autorizados contém um volume máximo por peso corporal. Outros são inócuos sozinhos, mas combinados com outros químicos podem ser prejudiciais.

No Brasil, temos mais informações sobre os conteúdos das embalagens nos rótulos do que na maioria dos demais países de Abya Yala (vamos exercitando mudar a forma como chamamos nosso continente, deixando de dar o nome do primeiro europeu que chegou a estas terras, para chama-lo pelo nome que escolheram os povos originários, traduzido do idioma kuna como “terra viva” ou “terra em florescimento” – https://www.ecoportal.net/temas-especiales/pueblos-indigenas/abya-yala-el-verdadero-nombre-de-este-continente/). Porém, mesmo as pessoas mais informadas, muitas vezes deixam de ler e acabam ingerindo produtos inimagináveis, como insetos ou derivados de petróleo.

Aprender a ler rótulos poderia ser algo a aprender desde criança. A maior parte das pessoas, muitas vezes, não faz ideia do que está ingerindo. Algumas dicas podem ser fáceis de incorporar, como desconfiar e adquirir o hábito de ler os rótulos, sempre. Ou saber que, por lei, todo o produto industrializado apresenta sua composição por ordem de quantidade: se um biscoito que diz nas letras de cartaz “aveia”, e entre os ingredientes a aveia está no final, o biscoito é de outras coisas e contém um pouquinho de aveia, talvez 1%.

Michael Pollan, em seu livro “As Regras de Comida, um manual da sabedoria alimentar”, de 2010, comenta de forma divertida um pouco desta tragédia, em conselhos como: “não coma nada que sua avó não reconheceria como comida”, “coma todas as besteiras que você quiser, desde que você mesmo as cozinhe”, “evite produtos que contenham ingredientes que nenhum ser humano comum teria na despensa ou que contenham mais de 5 ingredientes”. Entre os conselhos, está o “só coma alimentos que acabarão apodrecendo” e lembro de um fato que me aconteceu na adolescência: guardei dentro de uma agenda um biscoitinho em forma de ursinho, que ganhei de uma amiga. Cerca de 20 anos depois, arrumando armários, encontrei a agenda e o biscoitinho: intacto! Talvez na intuição de minhas primeiras curiosidades sobre alimentação natural, decidi guardá-lo em vez de comê-lo.

Craquer de sementes:

Ingredientes:

1 xícara de arroz integral
½ xícara de grão de bico
2 colheres de linhaça
2 colheres de gergelim

Modo de preparo:

Deixe os grãos de molho ao menos 12h, juntos ou separados. Retire a água, e bata no liquidificador com ½ xícara de água, inicialmente. Se necessário, acrescente um pouquinho mais de água para formar uma massa cremosa, quase líquida. Esparrame em uma forma sem untar, e leve ao forno baixo. Quando a massa estiver cozida mas ainda úmida, retire do forno e corte no formato desejado. Volte ao forno até que os biscoitos soltem facilmente da fôrma, e estejam bem sequinhos e crocantes.

Luciana Guidoux Kalil
lunaca@mailoo.org

Colaboradores

Luciana Guidoux

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