11/08/2020 Autoconhecimento & Espiritualidade
Sobre o Medo, a Saudade e o Amor
Nunca em minha vida ouvi tantas declarações de amor, de saudade e de medo quanto nos últimos tempos. Pessoas que há muito eu não via se declaram saudosas, como se a falta da minha presença se vestisse de uma importância antes não percebida. Outras, me comunicam seu medo, medo do incerto, dizem elas, percebo em algumas até o medo do medo. E outras ainda, simplesmente me falam de amor, ah o amor! Delicioso amor que no fundo se veste com várias disfarces para ser percebido e valorizado nos corações humanos.
E então me pego novamente pensando em SAUDADE!
Quando se fala em saudade, saudade de quem, de quando, de onde? Penso que “a saudade mais saudosa” seria a saudade de nós mesmos. O quanto nos distanciamos de nós nos tempos onde o externo era um convite constante e sedutor, onde estávamos frequentemente sendo convidados e muitas vezes aceitando o convite) a entrar numa forma que a sociedade e/ou nós mesmos criamos e nos obrigamos a seguir?
Esse novo tempo que chegou até nós como um furacão, tolhendo nossa liberdade, nos convidando a um isolamento quase imposto ou verdadeiramente imposto, numa pena fixada sem processo judicial nem julgamento, nos mantendo em prisão domiciliar sem dia nem hora para acabar, pode ser um tempo de sofrimento ou um tempo de libertação. Isso vai depender de identificar o quanto estávamos e estamos felizes conosco e com nossos companheiros de domicílio. Talvez seja preciso reinventar a forma de caminhar, redirecionar a rota e se necessário reprogramar o destino.
Há quanto tempo você não se volta para a sua casa interna, procurando identificar o que sente em relação à si próprio, aos outros, à vida, ao planeta, ao todo?
Considerando que a chave de felicidade se encontra dentro de você, como andam suas “visitas” interiores em busca de si mesmo?
Nos acostumamos a estar concentrados na tecnologia, no trabalho, nos estudos, nos outros e nos esquecemos da riqueza interior que existe em cada um de nós, evitando tudo o que poderia ser emocionalmente experimentado, fugindo de que? com medo de que?
Como andam suas experiências em olhar para si mesmo, como você é e está agora, mesmo que isso signifique passar por dor, medo, raiva e certa decepção? Essa experiência não pode ser evitada. É somente aprendendo a fazer isso que você pode encontrar verdadeiramente consigo e matar a saudade de você. Só então você passa a um estado de sair do molde, da idealização de si mesmo, observando e respeitando seu verdadeiro ser, num processo de autoconhecimento em direção à auto aceitação e à plenitude.
Tenho escutado muito as pessoas falarem sobre como não aguentam mais ficar em casa, não aguentam mais trabalhar isoladas, não aguentam mais a convivência estreita com seus familiares, não percebendo que o que mais lhes está fazendo falta é o encontro consigo mesmo.
Uma das maiores dores que o ser humano pode experimentar é essa distância de si, o distanciamento dos próprios sentimentos, numa espécie de amortecimento interior.
Por que e para que fazemos isso? em algum momento de nossas vidas passamos por eventos traumáticos e para nos protegermos da dor desses momentos, caímos numa espécie de amortecimento. Esse amortecimento inicial teve o intuito de nos proteger da dor, no entanto, a longo prazo, se torna um processo de distanciamento de nós mesmos, levando a uma saudade de nós.
A saudade de nós pode nos arrastar a um estado de desesperança, um desejo de paralisia, de não movimento, nos empurrando para um abismo, levando a um afastamento tanto físico quanto emocional, de nós, do outro e da vida. Podendo levar até mesmo a um estado de depressão. Esse afastamento tem como subproduto a desesperança; é verdade que ele amortece a dor e o medo, mas, ao fazê-lo, potencializa esses sentimentos ainda mais e termina por apagar o brilho da própria vida.
Quem tem medo do que pode encontrar em seu interior, também tem medo do que pode encontrar no interior do outro, medo da decepção, da frustração, seja lá do que for, tem medo da experiência em si. Dessa forma sente a necessidade de se proteger contra ela. Quando tentamos nos proteger, evitando olhar para quem verdadeiramente somos e quem verdadeiramente o outro é, perdemos nossa espontaneidade, passamos a ser defensivos. O resultado é que os sentimentos calorosos que trazem amor, companheirismo e intimidade não podem ser plenamente sentidos.
Então o convite é para visitar sua casa interior e olhar o que lá existe, sem rejeições, aceitando o que é, aceitando suas emoções.
Nesse processo você verá que a saudade de si mesmo deixará de ser um desconforto desconhecido e se transformará em um sentimento de presença, algo vibrante dentro de você. A saudade de si mesmo dará lugar a um auto acolhimento e lhe convidará a olhar para a vida de outra maneira.
O estado mais prazeroso do ser humano é se sentir vivo, vibrante, em movimento, do ponto de vista físico, mental, emocional e espiritual. Prazeroso é estar vivo e se movimentar em direção a si mesmo, indo pra vida com tudo o que se é e se abrindo para acolher o outro também com tudo o que ele consegue ser.
Quando entramos nesse estágio, a saudade do outro também passa a ser sentida de forma diferente, deixa de ser uma necessidade, deixa de ser sofrimento. Você reconhece a dor do afastamento quase imposto pela pandemia e aceita o que é, sem conflitos. Pouco a pouco a dor vai cedendo lugar ao prazer, à consciência da necessidade de segurança, à esperança de que o encontro esteja próximo, à nova experiência de estar pleno em sua casa interna e estar pronto para uma nova vida consigo e com os demais, tendo se reinventado. Reinvenção essa não mais a partir do medo e sim a partir do amor, do auto amor.
Conça Cedraz
concedraz@gmail.com