24/05/2020 Construções Sustentáveis
Fique em casa! Mas de qual casa estamos falando?
Quando sentei eu meu computador para escrever esta edição já tinha um tema previsto, o qual já havia até mesmo sido enviado para nosso Diretor com certa antecedência, como forma de mantermos um certo nível de planejamento. Mas me veio uma pergunta: O que eu poderia ou deveria comunicar neste momento em que estamos atravessando uma pandemia?! Senti verdadeiramente de dialogar e expressar algo que pudesse ser capaz de contribuir com as nossas reflexões nesse período de isolamento social, pois acredito que iremos todos nós sair dessa crise diferentes em algum nível.
Além do cuidado redobrado com a higiene, a principal recomendação dos especialistas no mundo inteiro é ficar em casa, manter o máximo de isolamento social que pudermos, dentro das nossas possibilidades. Essa mensagem tem soado como um mantra em nossos ouvidos e pensamentos, e, de fato não nos resta nada a fazer a não ser nos recolher em nossos lares, gerenciar nossa mente e esperar até que a crise se resolva.
E de que casa afinal de contas estamos falando? A nossa casa foi pensada ou projetada para ser o nosso refúgio? Ou apenas nosso dormitório? Para onde retornamos somente após um longo dia de afazeres… Tenho um casal de amigos que foram se abrigar na mata, em casa de familiares, pois perceberam que iriam passar um longo período de isolamento social dentro de um apartamento de 60 m², tendo que trabalhar e dar atenção a sua filha que precisa de cuidados, carinho, e ainda por cima ávida para brincar e gastar uma fonte de energia interminável. E isso é perfeitamente compreensível.
Nos últimos anos, temos notado uma tendência, especialmente nos edifícios, nos quais os apartamentos se tornaram cada vez menores e áreas de convivência cada vez maiores e mais bem projetadas. O setor imobiliário notou uma mudança no comportamento da população. Através de pesquisas de mercado foi verificado que as pessoas passavam a maior parte do tempo fora de casa, retornando somente a noite para dormir, inclusive nos finais de semana.
E aprofundando ainda mais nesse entendimento, a meu ver, esse comportamento ocorre devido aos mais diversos estímulos externos que ocupam a nossa atenção, nos distraem. Nosso olhar e nossa consciência estão sempre voltados para “fora” e nesse processo nos distanciamos de nós mesmos, das nossas sombras existenciais, dos familiares, e assim seguimos vivendo, quase que no piloto automático.
Na medida em que somos convocados a nos recolher diante de um vírus altamente contagioso que foi capaz de bugar a nossa rotina, a nossa economia, as nossas agendas inadiáveis, em nome do nosso bem maior e a manutenção da vida, é que nos deparamos com nossas casas físicas e espirituais.
Talvez essa relação de causa e efeito seja recíproca na medida em que nosso lar não nos garante o acolhimento suficiente para nos manter em casa um pouco mais de tempo. Deixo aqui essa reflexão…
Gostaria de convidá-los a observar junto comigo o comportamento dos povos em relação ao tipo de clima das regiões nórdicas e tropicais. No hemisfério norte e sul do planeta, ao longo das estações do ano, temos a presença de invernos bem definidos, ao contrário das demais regiões. Umas das características de invernos rigorosos é impossibilidade de sair de casa, a escassez de alguns alimentos e recursos de modo geral. Com isso, as pessoas naturalmente se organizam para passar por esse recolhimento até a chegada do outono ou primavera. Nesse sentido as residências são projetadas de modo a garantir abrigo de forma segura, confortável e eficiente, a partir das características externas do clima do local. Já aqui nos países tropicais, como o Brasil por exemplo, temos a presença de sol e calor em todas as estações do ano. E até mesmo as nossas temperaturas mais baixas da região sul e sudeste não podem ser consideradas como inverno rigoroso. Com isso, naturalmente, tendemos a sair de casa, em busca da energia do sol, fonte de vida e por conta do calor. Nossas moléculas se agitam e é normal esse comportamento expansivo ao invés de recolhido. Mas, num momento como esse que estamos vivenciando, e por acreditar que passamos um tempo excessivo longe de nossas casas, senti de trazer para esta leitura um olhar mais ampliado a respeito das nossas habitações.
Entendendo todas as problemáticas oriundas da desigualdade social enraizada em nosso país, no grande número de favelas e condições precárias de moradia, ainda sim nos cabe idealizar que possamos viver em um lar que permita a nossa estadia para além de simples dormitórios. Que os projetos arquitetônicos e civis considerem a importância de estarmos em casa com a estrutura e aspectos necessários para que possamos sentir acolhimento e conexão com nós mesmos, sem a necessidade pungente de ir pra rua em busca de preencher esses espaços em nosso ser. Acredito que podemos caminhar para um equilíbrio dentro e fora de casa. Por que não?
Humanizar as residências é aplicar todos os conceitos de construções sustentáveis que temos defendido e compartilhado até aqui. Garantir eficiência e autonomia energética através de fontes renováveis, tratamento das águas e dos resíduos, e principalmente uma cobertura vegetal avantajada que possa nos proporcionar conforto térmico e acústico, são as principais medidas para alcançar esse ideal.
As conexões naturais já não são as mesmas com o meio ambiente urbano, e com esse conceito de moradia podemos retomar a nossa conexão com a natureza a partir de nossas casas. Além de promover maior qualidade de vida, despertamos para a importância de ampliar a prática para os espaços públicos, transpondo as paredes das nossas residências.
Ao observar as reações de desconforto experenciadas durante o isolamento social que estamos vivendo, chego à conclusão de que estamos diante de uma dor a ser sanada por nós profissionais do mercado imobiliário e consultoria ambiental. É hora de pôr em prática as construções sustentáveis! Queremos vê-las sendo erguidas em cada cantinho, que essas atitudes possam viralizar tão rápido quanto qualquer vírus e sejamos capazes de enxergar na crise e no caos grandes e belíssimas oportunidade de mudança e aprendizado.
Para aqueles que já possuem seus lares definidos sempre há possibilidades de melhorias e ajustes possíveis de serem feitos, visando trazer a humanização que tanto desejamos. Desde um pequeno canteiro de flores ou ervas aromáticas, até um jardim vertical ou uma cascata ornamental que traga uma conexão de paz e aconchego para o nosso lar doce lar.
Que toda casa possa ser um espaço sagrado de integração do sujeito com o seu lar, dentro e fora de si.
Grece Otero
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