01/11/2019 Planejamento Consciente
Transbordar
Acredito que todos já ouviram falar no termo transbordar. Na língua portuguesa o verbo tem duas definições: “fazer sair ou sair fora das bordas” e “ter em excesso, estar repleto”. Ou seja, só podemos transbordar (fazer sair fora das bordas) aquilo que estamos repletos (temos em excesso).
Temos visto cada vez mais o termo transbordar sendo empregado em ações de cunho social e de causas ambientais. A ideia é fazer um convite para doarmos àquilo que estamos repletos, mas muitas vezes acabamos transbordando coisas que nem sequer temos o suficiente para nós.
Não falo de bens materiais, tempo ou disposição. Falo do essencial. Vemos pessoas altamente engajadas nestas causas, transbordando amor, empatia, compaixão e promovendo grandes transformações em sua comunidade, mas, em seus processos individuais, apresentam dificuldade em gerir as próprias emoções e acabam sucumbindo à depressão, ansiedade e outras doenças psicossomáticas.
Esta pessoa está realmente transbordando amor e compaixão? Se ela está cheia destes nobres sentimentos a ponto de transbordar para o próximo, em que compartimento ficou o amor próprio?
Assim como a xícara de chá da sabedoria Zen, podemos nos encher de bons sentimentos e energias todos os dias, mas também podemos nos esvaziar.
Proponho que neste início façamos um caminho contrário ao do transbordamento.
Já parou para observar o seu guarda-roupa?
Ficamos muito felizes ao adquirir novas peças, mais felizes ainda quando essa nova peça é fruto do “transbordamento” do amor e gratidão de alguém por nós. Colocamo-la no cabide e a encaixamos, apertadinha, junto com as que lá já se encontram, com traços de uso e marcadas pelas nossas preferências.
Vamos a um desafio?
Retire tudo desse guarda roupa e separe as peças por constância de uso. Separe as roupas que foram usadas no último mês. Das roupas que sobraram separe as que você não usou no último mês. E pode continuar fazendo isso até classificar todas as suas peças.
A constatação que chegará é que tem roupas que você sequer voltará a usar, seja porque saiu de moda ou porque não condiz com seu novo momento. E porque não nos livramos delas? Porque esse apego ao que já não faz mais sentido para você?
Tenho uma notícia boa para você: nós também funcionamos assim!
Nos enchemos de conceito estabelecidos, opiniões, verdades e julgamentos, que, assim como o nosso guarda-roupa, criam barreiras para que o novo entre.
Vamos esvaziar a xícara antes de transbordar?
Vamos enchê-la do que faz sentido e abandonar o que não deve te acompanhar nesse novo momento. Somente a partir de então será possível avaliar o que temos mais do que o suficiente e estará pronto (a) para transbordar.
Citei a pouco a sabedoria Zen, sobre a metáfora da xicara de chá. Na verdade essa foi uma história real. Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor que tinha curiosidade em saber como este mestre exercia tamanha influência e tinha a admiração do povo. Ansioso, o professor sempre interrompia o mestre e tentava externar a sua opinião. Entre uma interrupção e outra o mestre Nan-In oferece chá e segue colocando chá na xícara do visitante de forma calma e serena, até que o chá preencheu toda xícara e começou a transbordar. O professor então pergunta: “Você não percebeu que a xícara está completamente cheia e não cabe mais chá nela?”. O mestre então responde: “Assim como esta xícara, o senhor está cheio de opiniões e conceitos pré-estabelecidos. Desta forma, como poderia entrar um novo ensinamento? Como poderei dar-lhe novas ideias e perspectivas, se você não tem espaço pra elas?” e completou: “Se você realmente busca ter conhecimento constante, então tem que esvaziar sempre a sua xícara”.
Então devemos nos esvaziar para só depois transbordar?
Acredito que as duas coisas podem ser feitas em paralelo. Podemos transbordar todo o amor que reconhecemos ter e, ao passo que a solidariedade nos encher de um amor puro e verdadeiro produzido pela preocupação genuína com a condição do outro.
O que não quer dizer que não tenha de estar sempre estado de vigilância. Em se falando de amor, a falta do amor próprio pode abrir caminho para um sofrimento muito maior. Estar em contato com as dores do outro e as dores do mundo pode nos encher de sentimento de impotência e frustração. Sem perceber podemos acumular tudo isso e assimilar o que não é nosso para nós.
Gosto da seguinte afirmação: acolho a condição do outro e a condição do mundo, transbordo do que mais estou repleto e que pode auxiliar na redução dessa condição, mas não sofro pelo sofrimento do outro e não sofro pelo sofrimento do mundo.
Ame-se e tenha a certeza de que fez o melhor, da mais elevada maneira e, sem medo de ser feliz, transborde!
Vamos criar consciência sobre o assunto?
• Do que está cheio?
• O que precisa abandonar?
• Se ente feliz com a felicidade do outro?
• O que faria se não precisasse trabalhar?
• Quais causas mais mexem com você?
• Consegue identificar o porquê?
• O que vai transbordar?
• Como? Quando?
Bom Planejamento Consciente.
Marcelo Reis
marcelo.reis@estimuladamente.com.br