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25/05/2020 Planejamento Consciente

Lições de um isolamento

Ontem não escondi de ninguém o quanto estou abalado por tudo que está acontecendo.

Na altura do meu processo de autoconhecimento me vi arrasado. A minha típica capacidade de acolher as adversidades que se apresentam em minha vida em velocidade quase instantânea, peculiar de quem já enveredou pelo processo de despertamento, ontem foi posta à prova.

Foram muitas notícias e acontecimentos adversos para superar em um pouco espaço de tempo. Nesse processo um número martelava minha cabeça: por um período de 24 horas 475 pessoas morreram na Itália.

Outra notícia: “massacre de velhos – médicos escolhem quem salvar”

Me vi numa luta interna entre a certeza de que o isolamento é a melhor saída para todos, entre a possibilidade de os negócios da família quebrarem. A frase de uma colega de trabalho ressoava em meu ouvido: “as pessoas só olham para o seu próprio umbigo”.

Será?

Acontece que se um negócio fecha, ele pode arrasar com o equilíbrio de uma família que não possui reserva para momentos de crise; esse mesmo negócio gera empregos diretos e indiretos; logo estamos falando de um ecossistema social que pode morrer.

Então, quem será que está olhando apenas para seu umbigo? Quem vai para casa passar pelo isolamento, sem risco para seu patrimônio e com a certeza de que independente do tempo que o isolamento vá durar pouca coisa vá efetivamente mudar em sua vida ou quem está preocupado com a manutenção de empregos diretos e indiretos?

Outro número me assombra. Entre um jornal e outro tenho a informação que, segundo OIT (Organização Mundial do Trabalho) 25 milhões de empregos serão extintos no mundo.

O fato é que passei o dia completamente focado nas notícias sobre o Covid-19 e as suas implicações no mundo, no Brasil e em minha região. Telejornais, portais de notícias, rádios, todos com suas programações voltadas a noticiar tudo que acontecia. Nas redes sociais, nas empresas, na rua esvaziada, o assunto era o mesmo.

Pela manhã uma amiga me disse estar extremamente admirada em ver como as pessoas estavam sendo solidárias na Europa com os seus semelhantes. Pessoas que não deixaram de pagar os serviços que consumia como academia, transporte escolar, escola, entre outros, pelo simples fato de estarem empáticas. Por se colocarem no lugar do outro. Elas sabem que fechar estabelecimentos é uma imposição por conta das medidas protetivas e de contenção da proliferação, mas também reconhecem que podem assumir o papel de agente mantenedor de uma “ordem” já estabelecida.

Essas pessoas estão agindo com o intuito de manter vivos os ecossistemas sociais conhecidos.

Isso ressoava na minha mente durante todo o dia. Estava oscilando entre uma forma de manter os meus ecossistemas vivos e as notícias negativas que chegavam até mim.

Eis que surge uma pessoa e diz que não temos noção do que está por vir. Na Itália, comparado ao Brasil, as residências, em sua maioria, são menos populosas, possuem água tratada e a população idosa vive relativamente separada da população jovem. No Brasil, as favelas têm uma densidade demográfica elevada e precárias condições sanitárias. Logo, as consequências no Brasil podem ser muito maiores se medidas de contenção e isolamento forem negligenciadas.

Voltei para casa com a cabeça cheia de informações pessimistas e aterrorizantemente realistas. Comecei a fazer uma retrospectiva do dia. Fiquei pensando o que fazer com tudo isso.

Lembrei de um sócio dizendo que era o momento de ser solidário. Ele então propôs que fizéssemos uma campanha de conscientização para um dos nossos clientes. Outro sócio se prontificou a desenvolver outros meios de informar as pessoas através de landing pages e disponibilização destes para os clientes. Logo depois a esposa do primeiro sócio pergunta se teríamos condições de apoiar algum grupo de trabalho, focado na contenção de crise, a fazer peças de comunicação e o que mais tiver ao nosso alcance.

Opa! Percebi que em meio a tantas informações ruins estava cercado por pessoas que estavam querendo fazer a diferença nesse momento.

Eis que chego em casa e me deparo com minha esposa com papeis cheios de números de contato e o telefone corporativo em mãos. Com seu olhar apreensivo, percebi que ela estava desestabilizada. Passará o dia fazendo lista de transmissão para facilitar a comunicação com seus clientes, enquanto nosso filho disputava sua atenção e o proprietário da casa (sede do seu negócio) mandava mensagem para agendar reunião para falar em aumento de valor de locação.

Ligo a televisão. Choque de realidade continua. Com o corpo e alma pesados, dormi rapidamente.

Acordei de madrugada cheio de insights. Percebi que consumi notícias ruins o dia todo e que isso estava me fazendo perder a sensibilidade nas coisas boas que estão acontecendo.

Pessoas deixando mensagem nos elevadores com número de telefone para serem solicitados pelos vizinhos que se enquadrem no grupo de risco a realizar compras e dar maiores assistências.

Resolvi me levantar, escrever, pensar ou trabalhar um pouco. Quando pego o celular, uma mensagem recebida em um grupo me mobilizou bastante. Dizia:

“E as pessoas ficaram em casa.
E leram livros, ouviram, descansaram, se exercitaram, fizeram arte, jogaram jogos, ficaram tranquilas e aprenderam novas maneiras de ser.
E ouviram mais profundamente. Alguns meditaram, alguns oraram, alguns dançaram. Outros encontraram suas sombras.
E as pessoas começaram a pensar diferente.
E as pessoas se curaram.
E, na falta de pessoas vivendo de forma inconsciente e sem coração, a Terra começou a se curar.
E quando o perigo passou, e as pessoas se encontraram novamente, elas choraram suas perdas, e fizeram novas escolhas, e sonharam novos cenários, e criaram novas formas de viver e curar a Terra completamente… pois elas haviam se curado.”

Esse texto atribuído a Kitty O’Meara, que infelizmente não encontrei mais informações sobre esse(a) autor(a).

Não estamos percebendo que esse é um excelente momento para buscarmos nossa paz interior, aproveitar o tempo para se conhecer, para se amar e para amar!

Não percebemos que o grande mal que fazemos a nosso planeta. Sem turista navegando pelos canais de Veneza, na Itália, a água amanheceu limpa e transparente. Era possível ver peixes nadando. A natureza está se regenerando.

É bem possível neste momento, assim como os canais de Veneza, outros ecossistemas estejam se recuperando. Com pouco ou nenhum veículo à rua e produções industriais quase paradas, o ar ficará limpo. Talvez por tempo suficiente de reduzir a poluição, de gerar consciência na população e até reaprendermos a contemplar as estrelas, ouvir o som do mar e sentir o cheiro das flores.

Não devemos perder a oportunidade de mudar também.

Vamos aproveitar esse tempo para dar conforto a quem precisa, para olhar para nossa vida e ver se a estamos vivendo em plenitude. Aproveitar para conviver com nossos familiares e refletir sobre “o que” o universo quer nos dizer nesse momento.
Se nossas prioridades, se o que transbordamos nos faz pessoas isolada diante dessa pandemia ou se o nosso isolamento começou muito antes disso.

Diante do que está por vir o isolamento te assusta pelo que têm a perder ou pelo que teme descobrir?

O fato é que estaremos mais expostos ao tão temido encontro conosco.
Como diz o texto: “outros encontraram suas sombras”. Encontro que muitos evitam.

Fato que agora teremos tempo para olhar nossas sombras, sem desculpas e sem interferências.

Para alguns, dias de isolamento poderão representar uma eternidade em perda de tempo, dinheiro e saúde física e mental. Para outros poderá representar o reencontro com sua essência. Com sua criança interior e com valores latentes.

Fato também que, para quem não está disposto a enfrentar seu “isolamento” arranjará algo para fugir ao chamado do universo ao processo de tomada de consciência individual e coletiva.

Acredito que, como o texto de kitty O’Meara sugere, poderemos “aprender novas maneiras de ser”, “pessoas começarão a pensar diferente” e pessoas irão “se curar”.

Que tal se abrir para esse momento? Que tal uma lista de provocações para aproveitar ao máximo o isolamento?

Vamos começar então:
• Você se reconhece no ambiente em que está isolado?
• Como seria passar mais tempo nele?
• O que pode mudar hoje para deixar a sua marca (sua identidade)?
• Quanto tempo têm dedicado às pessoas que estão com você?
• O que estas pessoas dizem sobre a sua presença?
• Que outras perguntas faria a estas pessoas?
• Se estiver isolado sozinho, o que isso diz sobre você?
• Se estiver isolado sozinho, você se permitiu viver a possibilidade de viver esse isolamento com alguém?
• Estando sozinho, em família ou acompanhado, como é ter mais tempo para você?
• Está usando esse tempo para você ou continua arranjando prioridades para não se priorizar?
• Olhe para o espelho e se pergunte: se se isolaria com a pessoa a sua frente?
• Se a resposta for positiva: por quê?
• Se a resposta for negativa: por quê?
• O que pode fazer com essa resposta?
• Que lições pode tirar desse isolamento?
• Como avalia a sua presença para o planeta?
• Você pratica a sustentabilidade? De que forma?
• Seu(s) negócio(s) agrega(m) valor ao planeta e à comunidade?
• Quais práticas pode deixar para trás?

Vamos finalizar esse planejamento consciente com outra provocação: você conhece um epitáfio?

Epitáfio é a frase colocada sobre o túmulo, lápide ou monumento funerário, geralmente para homenagear a pessoa que nele se encontra sepultada. Normalmente o epitáfio não é escrito por quem acaba de partir. Isso quer dizer que o que estará escrito no nosso epitáfio é a leitura que as pessoas fazem de nós.

E o que isso que dizer?

Que não adianta vivermos de aparências, não adianta nos esforçamos em ser alguém que não somos e que devemos estar preparados para ouvir das pessoas que amamos o que estamos comunicando para eles e para o mundo, pois no final, o que vai valer é forma como somos vistos e não como achamos que somos.

Portanto, leve uma vida coerente. Seja exemplo do que prega para o mundo.

Vamos praticar?

Concentre-se, medite sobre o que comunica, pegue um papel e escreva em poucas palavras o epitáfio que acredita que as pessoas escreverão na sua lápide.
Analise se o que pratica é coerente com o que leu. Se estiver preparado, consulte as pessoas mais importantes na sua vida e conte o que escreveu e pergunte se elas concordam com isso.

Lembre-se: transbordamos do que estamos repletos.

Finalizo esse texto com um epitáfio datado entre 200 a.c. e 100 a.c. Trata-se do epitáfio de Sícilo, primeiro registro de uma composição musical completa, incluindo notação musical e letra no mundo ocidental. Uma melodia da música grega que foi encontrada gravada em uma lápide perto de Aidim na Turquia (próximo a Éfeso).
“Enquanto viveres, brilha. De todo não te aflijas,
Pois curta é a vida. E o tempo cobra seu tributo.”

Marcelo Reis
Terapeuta
marcelo.reis@estimuladamente.com.br

Colaboradores

Marcelo Reis

marcelo.reis@estimuladamente.com.br