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20/05/2019 Construções Sustentáveis

Construir com terra crua!

Quem diria que em pleno século 21, alguns “destemidos” se juntassem para retomar esses processos! Aliás, esses “destemidos” estão se juntando no mundo inteiro para questionar sistemas, processos e produtos!

Não somos os únicos! O mundo nunca passou por uma transformação tão grande e tão rápida!

Nos próximos anos veremos mudanças intensas em várias áreas. As crianças já não conseguem ver sentido na escolarização (é realmente uma área que parou no tempo). Pessoas não querem mais perder seu tempo em processos burocráticos ou ineficientes de bancos enquanto podem abrir e movimentar contas online. Os carros a combustão já são tão obsoletos quanto máquinas de escrever e tão poluentes quanto às indústrias que os fabricam! De repente o mundo parou de fazer sentido em muitos aspectos. Profissões surgem diariamente, na mesma proporção que plataformas substituem produtos e serviços, gerando a obsolescência de diversos profissionais. Hoje, a inteligência artificial começa a substituir advogados, médicos e contadores na mesma velocidade que a democratização da internet.

O mundo não é mais o mesmo! A cada momento pessoas questionam produtos e deixam de consumi-lo se fazem mal a elas ou ao ambiente. Deixam de consumir para não matar baleias ou tartarugas! Cada vez mais questionamos o consumo pelo consumo e damos preferência a possibilidades diferenciadas de ocupar e vivenciar o planeta.

A prioridade hoje é da experiência! Só vale se for bom pra mim, pra você e para o universo! Afinal, somos todos Um!  E talvez seja aí, nesse momento, que a Arquitetura Permacultural encontre sua referência. Ela busca criar vida, gerar solo, aumentar biodiversidade, melhorar microclima e, por que não, o clima! A arquitetura Permacultural cria estratégias para melhorar a qualidade de vida de pessoas e cidades, costurando melhorias pelo planeta.

O dentro e o fora fazem parte do mesmo raciocínio, assim como, paisagismo, arquitetura e gestão de resíduos, para nós, é um processo só! Quando iniciamos um projeto, fazemos análise não só de solo e topografia, mas também avaliamos todo o entorno, quantificando árvores de médio e grande porte, tipo e desempenho ambiental, bem como, entorno e vizinhança imediata. Insolação, ventos dominantes e movimentações de terratambém compõem toda a logística de uma boa implantação.

Definido isto, analisamos o potencial de cada material local para posterior definição de ecotécnicas a serem implantadas para alvenarias ou qualquer estratégia que envolva potencial de mão de obra local ou material regional. Por exemplo, se estamos em Pirenópolis, em Goiás, temos um abundante resíduo de pedreiras. Pra nós esse passivo ambiental é insumo de primeira qualidade! Ali temos mão de obra “especializada” neste tipo de assentamento e podemos abusar deste material como estrutura ou mesmo alvenaria. É o lixo que vira luxo! Se estamos em Corumbau, na Bahia, esse material não faz o menor sentido. Mas lá podemos abusar das estruturas de madeira roliça, já que é fácil naquela região e tem excelente mão de obra no vilarejo. Esta análise faz toda diferença para avaliar a sustentabilidade de um material. Podemos ter uma película de altíssimo desempenho térmico para ser aplicada em vidros, mas se ela tiver que vir dos Estados Unidos não existe sustentabilidade nisso!

Buscamos fechar os ciclos, otimizar fluxos e resumir processos, assim como a natureza!  Esta é outra rica análise que se deve fazer. Para onde voltam os materiais especificados no final de suas vidas úteis? É claro que o ideal seria voltar aos ciclos naturais e técnicos iguais ou melhores do que quando foram definidos, mas sabemos que não é isso que acontece. O design de produto ainda tem que caminhar muito na construção civil, mais do que em muitas áreas. Nesta semana, uma empresa lançou um tênis que ao final de sua vida útil deve ser devolvido para a fábrica para virar um novo par, ou seja, é feito de um único material que atende em 100% ao ciclo técnico. No nosso caso, o exemplo seria uma alvenaria de adobe, que poderia voltar ao ciclo natural e virar adobe novamente ou, quem sabe, até uma horta.

Em nossos projetos procuramos fazer toda a gestão de águas no terreno, ou seja, águas de chuva a gente coleta e armazena e o que excede destinamos a jardins de chuva e poços de infiltração, de forma a sempre recarregar o lençol freático do local. As águas cinzas podem ser limpas por filtros de 3 estágios e fitorremediação, assim as águas podem ser reutilizadas e infiltradas novamente no solo, por estratégias de irrigação.  E as águas pretas? Ahhhh, essas são nossas queridinhas! Pois fazem um trabalho lindo em parceria com bactérias e raízes de bananeiras! Esse sistema é sensacional! Chama-se Bacia de Evapotranspiração, as BETs e foram criadas pelo Instituto de Permacultura e Ecovila do Cerrado (IPEC) e tratam com primor aquilo que chamamos de esgoto. Pra nós resíduo, pro processo insumo!!! Nessa bela parceria, as raízes e bactérias se alimentam de todos os dejetos que entram no sistema, geram microclima, tratam o esgoto e ainda geram banana no final! Genial demais não é?! Um sistema extremamente simples e que poderia resolver muito dos problemas de saneamento pelo mundo afora. A intenção é sempre minimizar o impacto ou até mesmo gerar um impacto positivo pela intervenção humana.

Priorizamos os materiais naturais, estimulamos a biofilia por estratégias diversas, fazemos da biomimética a nossa métrica e nosso norte, buscando na natureza as fontes mais eficientes de criar desempenho máximo com custo “energético” mínimo, como nos orienta a permacultura. É essa a arquitetura que buscamos fazer, é esse o propósito que nos faz levantar e observar o fluxo contínuo da vida em cada elemento!

Não vendemos projeto nem construímos edificações, geramos conceito e criamos experiências! Um estilo de vida que faça sentido para pessoas e para o planeta! Não faz sentido empilhar pessoas em prédios fazendo de conta que produzem por 8 horas! Esse modelo não funciona mais! Crie ambientes vivos e mostre o propósito! Pessoas produzirão 8 horas em 3 e trabalharão 12! Os ambientes humanos precisam ser biocompatíveis e não doentes! As “tintas” não deviam causar alergias, mas sim alegrias! Os materiais deveriam aumentar a imunidade e estimular a frequência de tudo que pulsa! Façamos a revolução com vida, com terra, com água, com floresta! Que nossa rebeldia seja nossa fotossíntese diária e quem sabe, um dia, seremos livres como árvores!

 

Notas

[1] A biomimética é uma área da ciência que tem por objetivo o estudo das estruturas biológicas e das suas funções, procurando aprender com a Natureza, suas estratégias e soluções, e utilizar esse conhecimento em diferentes domínios da ciência1.

[2] A biofilia é o amor à natureza. Este termo foi popularizado por Edward Osborne Wilson, num livro com o mesmo nome publicado pela Harvard University Press 1984. Em seu livro, Wilson descreve a biofilia como uma tendência natural a voltarmos nossa atenção às coisas vivas2.

Referências

BIOMIMÉTICA. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Biomim%C3%A9tica&oldid=51469940>.

Fonte: Arquitetura Viva

Fonte: Arquitetura Viva

Fonte: Arquitetura Viva

Fonte: Arquitetura Viva

Colaboradores

Luana Lousa

arqbiolua@gmail.com