09/05/2019 Curiosamente
O tempo de ser feliz é o presente
Você já parou para pensar que a forma como percebemos o tempo pode ser crucial para construirmos uma vida mais feliz? Segundo o físico Marcelo Gleiser, “[…] existem vários tipos de tempo. O tempo psicológico, que tem a ver com a nossa experiência subjetiva de sua passagem; o tempo físico, que é como a ciência define o tempo; o tempo cósmico, ligado com a expansão do universo[…]”1. Existem, portanto, diversas formas de entender o tempo; mas, hoje, vamos nos ater a nossa percepção subjetiva dele. Garanto que, para um fã, as 2 horas e 58 minutos do filme Senhor dos anéis: a sociedade do anel passam muito rápido. Todavia, as mesmas 2 horas e 58 minutos, para quem não gosta deste tipo de filme, são uma eternidade.
Para o bem ou para o mal, nós, seres humanos, somos cativos do tempo, sobretudo da forma como percebemos sua passagem. Há momentos desconfortáveis em que ele praticamente se arrasta e tudo que queremos é que passe rápido. Em outros – felizes, é claro – parece que o tempo anda mais depressa e tudo que desejamos é pará-lo… Mas, infelizmente, “[…] o tempo não pára […]”2e “[…][q]uando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! […]. Quando se vê, já terminou o ano… […]. Quando se vê passaram 60 anos…”3. Certamente, o tempo é, depois da vida, nosso bem mais precioso. Por este motivo, demanda atenção, planejamento e cuidado.
Em condições normais, em algum momento, todos os indivíduos se preocupam com como vão gastar seu tempo, quer seja organizando seu dia, seu ano ou definindo metas para a vida. Em função disto, é muito comum passarmos boa parte de nosso tempo relembrando o passado e planejando o futuro. Quase sempre o presente é negligenciado ou entendido como o momento de lutar para construir um futuro melhor. Talvez você não seja assim, mas a maioria de nós, “meros mortais”, passamos boa parte da vida perdidos no tempo, esperando aquele momento no futuro em que teremos as condições “certas” para sermos felizes.
Quase sempre fixar as condições certas para ser feliz significa usar o tempo presente para “sobreviver”, partindo do princípio de que o tempo da vida “verdadeira” ainda não chegou. É fácil perceber esta mentalidade em nosso cotidiano. Por exemplo, pense em um estudante do ensino médio que sonha em ser médico. Ele termina os estudos e se matricula em um curso preparatório para entrar na faculdade desejada. Suponhamos que ele seja um obstinado, extremamente comprometido com os estudos. O presente é o tempo do sacrifício, então ele sobrevive apenas na esperança de retomar sua vida quando entrar na faculdade. Porém, no momento em que seu sonho se realiza, ele constata que entrar é a parte mais fácil, pois difícil mesmo é se formar. Quando enfim se forma, percebe que, para aumentar suas chances na vida profissional, precisa fazer residência. Com tudo isso já se passaram mais de dez anos. Agora ele quer aquela casa, aquela família… Quando finalmente estiver pronto para viver “de verdade”, seu tempo, praticamente, já acabou.
Segundo Henri Bergson o tempo de uma vida é a duração do presente. Ele é o “[…] que me interessa, o que vive para mim e, para dizer tudo, o que me impele à ação […]”4. Por esta perspectiva, o presente se manifesta pela sensação e movimento do que está acontecendo. Traçar metas para o futuro não significa que devamos sobreviver enquanto nos esforçamos para alcançá-las. Este tipo de mentalidade pode ser a fonte de diversos transtornos. Caso você seja do tipo que sobrevive no agora para viver o amanhã, lamento informar, mas existe uma grande possibilidade de que as condições necessárias para sua felicidade nunca se concretizem, pois, quando o tão almejado futuro chegar, ele será o seu presente e você estará muito ocupado com o futuro para perceber. Para que fique bem claro: o que problematizo aqui não é o fato de desejar e planejar o futuro, mas a incapacidade de viver o presente.
O presente é onde a vida acontece e, se não tivermos clareza disto, seremos coadjuvantes de nossa própria história, esperando a reviravolta de um roteiro por vir.
Espero que você tenha gostado das reflexões que compartilhamos e, caso queira saber mais, dê uma olhadinha nas referências citadas. Dúvidas e sugestões: profmiguelead@gmail.com
Notas
1 CESAR, Julio. Do início de tudo com o Big Bang até os dias atuais. [on line]. Universidade Federal de Juiz de Fora. s/d. (editado por Pablo Rafael e Amanda B. Santos). Disponível em: <http://www.ufjf.br/fisicaecidadania/conteudo/big-bang/>
2 CAZUZA. O tempo não para. Disponível em: <https://www.letras.mus.br/cazuza/45005/>
3 QUINTANA, Mario. O Tempo. [on line]. Site Conto Brasileiro: Contos, crônicas e poesias de autores brasileiros. Disponível em: <http://contobrasileiro.com.br/o-tempo-poema-de-mario-quintana/>
4 NICOLA, U. Antologia ilustrada de Filosofia: das origens à modernidade. Tradução Maria M. de Luca. São Paulo: Globo, 2005. p. 108
REFERÊNCIAS SUGERIDAS
1 GLEISER, Marcelo. O enigma do tempo. 2016. Disponível em: <https://medium.com/itau/o-enigma-do-tempo-9560834ebbd8>. Acesso em: 2 abr. 2019. p. 1.
2 CAZUZA. O tempo não para. 1989. Disponível em: <https://www.letras.com.br/cazuza/o-tempo-nao-para>. Acesso em: 2 abr. 2018. p. 1.
3 QUINTANA, Mario. O melhor de Mario Quintana. 2. ed. Porto Alegre: AGE, 2016. p. 100.
4 BERGSON, Henri. Matéria e memória: ensaio sobre a relação do corpo com o espírito. Tradução Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999 (Tópicos). p. 160.