07/03/2019 Curiosamente
Você é o arquiteto de sua realidade: O poder do pensamento positivo
Você acredita no poder do pensamento positivo? Há algum tempo, ao final de uma palestra sobre Neurociência da Felicidade, fui surpreendido por um participante que se declarou surpreso com minha crença no poder do pensamento positivo. Na ocasião, expliquei que não se tratava de uma crença fundada em parâmetros esotéricos ou pseudocientíficos, mas em evidências psicológicas e neurocientíficas. Talvez você seja alguém que tem fé no pensamento positivo ou acha isso uma grande besteira; talvez seja indiferente. Mas, se você for alguém que busca entender, cientificamente, como o pensamento pode construir e alterar nossa realidade, este texto vai lhe indicar um caminho.
Para dar continuidade a nossa conversa, vou partir do pressuposto de que você acompanha esta coluna. Neste caso, deve ter notado que os últimos textos seguiram uma lógica de complementaridade. Primeiro, publicamos “Neurociência: uma celebração à curiosidade”, para introduzir a noção de identidade cerebral e química das emoções. Depois, veio “Motivação”, que tratou da relação entre necessidades e emoções, passando pelo Sistema de Ativação e de Inibição do comportamento. Na sequência, publiquei “Nem sempre, querer é poder”, cujo foco foram as alterações do humor que podem inviabilizar os processos motivacionais e alterar profundamente nosso pensamento.
Perceba que os textos acima citados são como peças de um quebra-cabeça que, quando juntas, fornecem a base para um entendimento mais amplo sobre como o pensamento do indivíduo constrói sua própria realidade. A intenção, desde o início, era escrever o primeiro texto desta coluna falando sobre o poder transformador do pensamento positivo, mas sem recorrer aos clichês de nossa área – e, sobretudo, sem apelar para argumentos místicos. Assim, a ideia era abordar este assunto a partir de aspectos científicos, com foco em Neurociências e Psicologia.
Considerando o espaço disponível em cada publicação, a solução foi decompor a abordagem do tópico nesses três artigos complementares, que podem ser lidos separadamente, mas que, em conjunto, representam fontes para um entendimento mais abrangente acerca do poder do pensamento e como ele é importante no processo de construção de nossa realidade, em virtude da forma como configura nossos mundos interno e externo. Esta construção está intimamente ligada à identidade cerebral, que, por sua vez, é constituída a partir das emoções e estados de humor relacionados a pensamentos disparados por situações, por eventos que ocorrem em nosso cotidiano.
Segundo Knapp e outros (2008, p. 20), […] “um evento comum do nosso cotidiano pode gerar diferentes formas de sentir e agir em diferentes pessoas, mas não é o evento em si que gera as emoções e os comportamentos, mas sim o que nós pensamos sobre o evento.”. Imagine duas pessoas com sede sendo obrigadas a dividir, igualmente, um copo com água. Suponha que uma está pensando como teve sorte e a outra como é azarada por ter que dividir a água. Elas estão passando pelo mesmo evento, mas será que suas emoções e humor são iguais? Provavelmente não, pois enquanto sorte remete à alegria, sem dúvida o azar pode significar muita frustração. Ainda com base neste exemplo, pergunto: Alegria e frustração promovem reações físicas e comportamentais iguais? A alegria está relacionada ao neurotransmissor da “felicidade”, a serotonina, que dispara uma sensação psicofísica de “bem-estar”. Já a frustração pode elevar os níveis de cortisol, podendo provocar quadros ansiosos, que colocam nosso corpo em estado de alerta e, consequentemente, gerando estresse. Quem sente bem-estar se comporta igual a quem está estressado? Neste exemplo o pensamento de cada um foi o fator disparador para que as reações emocionais, físicas e comportamentais fossem tão diferentes.
A influência de nossos pensamentos para a construção de nossa realidade é tão avassaladora que eles podem ser um elemento importante para cura ou adoecimento. Exemplos irrefutáveis deste poder são o placebo e os transtornos somatoformes. Nós todos sabemos que um placebo é um remédio inativo, incapaz de produzir efeitos farmacológicos. Isto leva muita gente a deduzir que placebos não provocam reações físicas e que seus efeitos seriam meramente psicológicos, uma vez que as pessoas que os tomam não sabem que são falsos e acreditam na sua eficácia.
Para além dos efeitos psicológicos, saiba que o tipo de pensamento que temos ao usar um placebo pode desencadear reações fisiológicas, como: “[…] constrição das pupilas, aumento da pressão sanguínea, modificações do [sic] ritmos respiratório e cardíaco, modificações na temperatura corporal.” (MERIGHI; OLLITA; GARCIA, 1989, p. 87). Inclusive, o seu uso pode provocar efeitos colaterais que vão desde uma simples náusea a reações alérgicas graves a substâncias que não existem no remédio de “mentira” que o paciente pensa ser verdadeiro. Esta profunda influência do pensamento sobre nosso organismo também é marcante em diversos transtornos somatoformes nos quais existe o adoecimento do paciente, mas não existe ou não se identifica a doença, não sendo possível apontar uma causa orgânica.
Infelizmente, o poder do pensamento positivo não é uma mágica capaz de resolver todos os nossos problemas. No mundo real, não existe como garantir uma lógica em que se possa afirmar que “[…] as situações [sempre] ativam pensamentos, que geram uma consequência com resposta emocional, comportamental e física […]” (FREEMAN, 1990 apud KNAPP et al., 2004, p. 20). O que vemos, no nosso cotidiano, é uma “[…] interação recíproca de pensamentos, sentimentos, comportamentos, fisiologia e ambiente.” (KNAPP et al., 2004, p. 20, grifo dos autores). “A mudança em qualquer um desses componentes pode iniciar modificações nos demais […]” (KNAPP et al, 2004, p. 21); contudo, alterar o pensamento é, na maioria das vezes, a estratégia mais usada para mudar comportamentos ou tratar transtornos, pois pensamentos disparam emoções que oferecem “[…] motivação para mudar ou fazer algo, e revelam nossas necessidades [regulação] […]” (LEAHY; TIRCH; NAPOLITANO, 2013, p. 25). É por esta razão que a Terapia Cognitiva Comportamental, excetuando alguns casos de depressão, começa por análise e “[…] modificação dos pensamentos, porque a alteração destes pode gerar um impacto em todos os outros componentes […]” (KNAPP et al., 2004, p. 21).
A melhor forma de começar a usar o poder do pensamento positivo é ficar atento à forma como você interpreta os eventos à sua volta, que tipo de emoção você está constantemente sentindo e que tipo de humor ela provoca. Isto é importante para que você entenda como o seu cérebro está sendo “programado”. Caso você seja alguém que sempre interpreta os eventos do seu cotidiano a partir de pensamentos que promovem humor irritado, em última instância, você está dizendo para seu cérebro que seu estado normal é ficar estressado. A recorrência deste esquema pode fazer com que seus receptores para neurotransmissores que sinalizam irritabilidade fiquem em evidência e tenham seu “trabalho” facilitado. Desse modo, os sucessivos momentos de irritação ao longo do tempo criam uma memória que facilita a repetição deste mesmo padrão em ocasiões futuras.
Bem, teremos que parar por aqui, mas espero que você tenha percebido como o pensamento afeta nossa vida e se esforce para ter pensamentos positivos – afinal, você é o arquiteto de sua realidade.
Referências:
KNAPP, Paulo et al. Terapia cognitivo-comportamental na prática psiquiátrica. Porto Alegre: Artmed, 2004.
LEAHY, Robert L.; TIRCH, Dennis; NAPOLITANO, Lisa A. Regulação emocional em Psicoterapia: um guia para o terapeuta cognitivo-comportamental. Tradução Ivo Haun Oliveira. Porto Alegre: Artmed, 2013.
MERIGHI, Miriam Aparecida Barbosa; OLLITA, Ivete; GARCIA, Thelma Ribeiro. Efeito placebo: implicações para a assistência e o ensino de Enfermagem. Rev. Esp. Enf. USP, São Paulo, v. 23, n. 2, p. 83-93, abr. 1989. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/reeusp/article/view/136035/131849>. Acesso em: 15 jan. 2019.