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07/01/2021 Sustentabilidade

Salvador – cidade da fé, felicidade

A Bahia de todos os santos, cantos e orixás é um estado em formato de coração, onde o Brasil começou como o conhecemos. A sua capital cantada na voz de Gal Costa “São Salvador, Bahia de São Salvador / A terra do nosso Senhor / Pedaço de terra que é meu …” foi capital do Brasil de 1549 até 1763 quando outro belo endereço foi escolhido para sede do império português, o Rio de Janeiro. Mesmo com temperaturas médias que variam em torno dos 27º C, há grande euforia sobre a chegada do verão. Quando as precipitações diminuem, o sol e o calor convidam os locais e os turistas a ganharem as praias e as ruas da cidade. Claro que o verão de 2020 / 2021 vai ser diferente nessa cidade ensolarada, como está sendo diferente em todo o planeta. Por isso se tornou tão necessário falar das riquezas desse lugar.

Situada na região Nordeste do Brasil compartilha com outras cidades litorâneas, praias paradisíacas que receberam tanto os colonizadores europeus como os africanos traficados. Por esse motivo para começar a nossa visita, vale a pena passear pelo centro histórico onde encontraremos prédios da arquitetura colonial, coroando a visita com arte e cultura nos arredores do Largo do Pelourinho declarado como Patrimônio Mundial pela Unesco em 1985. Salvador foi desde o primeiro instante cosmopolita, nunca foi província. Diz o escritor Antonio Risério que não se tratava de um povoado que cresceu e ganhou paulatinamente outro status, e conclui “Salvador não nasce de um passado, mas de um projeto de futuro que era construir o Brasil”.

Construída para ser uma fortaleza e um porto obrigatório no transporte das mercadorias que circulavam pelo Atlântico, o núcleo urbano primitivo se dividia em Cidade Alta, sede da administração e da representação religiosa, e a Cidade Baixa, onde as atividades marítimas e comerciais se desenvolviam. Quando chegaram os primeiros europeus encontraram nesta região, os Tupinanbás que viviam da caça, coleta, pesca e agricultura, principalmente de tubérculos como a mandioca. Claro que eles não conheciam o trabalho escravo, tanto que seus cativos eram tratados como membros da tribo até o dia do sacrifício. Quando o trabalho exigia maior esforço, os vizinhos eram convocados e eles se uniam em mutirões. Apesar da resistência ao trato do colonizadores, inclusive se rebelando na Confederação dos Tamoios, os indígenas foram vencidos e que os obrigou a fugir para as matas e os poucos que ficaram, foram assimilados nos engenhos surgindo assim as primeiras misturas.

Sem a mão de obra indígena, muitos indivíduos oriundos de povos africanos vieram da Nigéria, Togo, Benin e Gana, traficados para o Brasil, trazendo nos seus corpos e corações, além do banzo, cultura de grande riqueza que transformou Salvador na Meca da Negritude ou Roma Negra. A cidade com o maior número de descendentes africanos no mundo, cerca de 80% de negros e pardos, nesses quase 5 séculos de história sempre foi resistência e criatividade. No final do século XVIII, houve a Conjuração Baiana, também conhecida como Revolta dos Alfaiates ou Revolta dos Búzios, um movimento de caráter emancipacionista que defendia além da independência, mais igualdade racial e redução na cobrança de impostos. Apesar de brutalmente reprimida, a Conjuração deixou marcas profundas na sociedade soteropolitana que culminou na guerra pela Independência da Bahia em 2 de julho de 1823.

A cultura mestiça brasileira é marcante na capital da Bahia. A religião católica e o candomblé através do sincretismo compartilham diversas datas festivas onde vislumbramos a beleza do culto dos orixás ao lado dos santos. Na culinária, os pratos com azeite de dendê, leite de coco e farinha de mandioca fecham a refeição com doces de influência portuguesa. As vestimentas ganharam características das indumentárias africanas com as fazendas portuguesas. Literatura com rica prosa e poesia absorveu palavras dos dialetos africanos e indígenas. E historicamente, a Bahia contribuiu com grandes intelectuais e vasta produção simbólica.

Com a mudança do centro de decisão político e econômico para o sudeste, muitos baianos migraram para o Rio de Janeiro. Assim as ‘tias’ baianas ajudaram a disseminar a cultura baiana vendendo acarajés nos tabuleiros e levando o samba de roda com suas indumentárias com batas, panos da costa e balangandãs: “O que é que a baiana tem?”. Com as músicas de Dorival Caymmi e os livros de Jorge Amado, a Bahia se mostra e se consolida com sua riqueza, beleza e alegria. A arte de viver faz parte do imaginário cultural desse povo ao ponto de adotarmos o provérbio que afirma que “baiano não nasce, estreia”.

Palco de grandes carnavais, apontado pelo Guiness Book (2004) como a maior festa de rua do mundo, Salvador com seu Axé (música e saudação) passou a integrar à Rede de Cidades Criativas da Unesco, reconhecida pelo título até então inédito no país, como ‘Cidade da Música’ em 2015. Em palcos itinerantes chamados trios elétricos, o cantor enaltecia a loucura da mistura pois “ alegria, alegria é um estado que chamamos Bahia de todos os santos, encantos e axé”. Por causa disso, na música principalmente, a negritude e a ancestralidade foram proclamadas. Em letras através de acordes, ritmos e melodias o povo cantava: “Eu falei Faraó … ê Faraó / Canta Olodum, Pelourinho …”. E claro, como bons anfitriões, jamais esqueceria de agradecer a sua visita “Ah, que bom você chegou / Bem-vindo à Salvador / Coração do Brasil”.

Mesmo cantando baixinho, sem poder ficar junto e misturado, com máscaras nos rostos, a alegria sempre estará presente no coração desse povo cheio de gingado e Fé. Porque depois de tudo isso, o que a gente precisa mesmo é subir até o Bomfim para fazer uma oração pelos que partiram e agradecer a oportunidade de estar VIVO para começar mais um novo Ano cheio de possibilidades. Como disseram Roberto Mendes e Capinan: “Se existe a música New York New York, por que não fazer uma canção chamada Salvador Salvador?” – a cidade da Fé, felicidade

Salvador Salvador
Roberto Mendes / Capinan

Luminosa cidade
Espelho no mar
No céu claridade

É bonita de ver
Refletida nos olhos
Do meu amor Salvador

Não deixe o meu amor morrer
Me salve da dor
Se esse amor virar saudade
Negra na cor
Cidade da fé, felicidade

Negro amor
Quero ver nos olhos dela
Tua imagem

O amor quando nos deixa
É um beco sem saída
Me salve da dor
De um beijo de despedida

Eu vou botar meu coração na mão
Que toca o tambor do meu afoxé
Cidade da fé, felicidade
Me salve da dor
Se esse amor virar saudade
Cheia de saudade, faço essa declaração de amor à Cidade da Música … porque a pandemia vai passar e São Salvador da Baía de Todos os Santos estará de braços, céus e mares abertos para nos receber.

Carla Visi
carlavisi@uol.com.br

Ouça a canção Salvador Salvador

Colaboradores

Carla Visi

carlavisi@uol.com.br