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05/11/2020 Filosoficamente

Ensaio sobre o desejo

Acredito na escrita como marca, como um registro que materializa o tempo. Existe a escrita técnica e a escrita que habita em nós. Hoje, dia em que completou 4 meses em que estou em isolamento físico devido ao Covid-19, debruço-me sobre um pedaço de papel e uma caneta para que minha escrita diminua nossa distância e eu possa expressar meus pensamentos.

Todos os dias pela manhã, ao abrir a janela, fico alguns minutos observando a pequena porção de mundo que está a minha frente, mas hoje foi um dia diferente. Eu fui tomada por um intenso desejo de estar lá fora, que a princípio, me pareceu uma carência, mas sempre dei grande atenção aos meus desejos e com esse não seria diferente.

Apesar de Platão falar do desejo como uma falta e Sócrates, no mesmo diálogo, que só desejamos o que não temos, Gilles Deleuze mergulha na filosofia para mostrar que o desejo sempre foi mal compreendido e que a falta é uma sensação fabricada socialmente. Ela não surge do desejo! Se antes você acreditava que sentia falta das pessoas, vale você refletir um pouco mais se, de fato é falta, ou desejo de estar com elas novamente.

Por muito tempo, acreditei que desejo e falta eram sinônimos. Então, busquei compreender a etimologia da palavra desejo, que derivado do latim, DESIDERARE. Traduzindo e se encaixando confortavelmente nos meus sentimentos, significa fixar atentamente as estrelas, estar orientado, saber para onde se vai, conhecer a direção.

Todos esses significados nos colocam em movimento, em ação, em saber para onde ir. Desejo, então, é uma sensação de impulso, de coragem, de ir e vir.

O desejo nos rearranja porque nos aproxima do presente, do real. Ele nos reestrutura, porque nos permite sonhar, sentir e esperançar.

Somos afetados pelo desejo!

O que percebo é que muitas vezes, somos influenciados e enfraquecemos nosso desejo de ser e estar no mundo. Se nossos desejos direcionam nossos movimentos, por assim dizer, é de muita valia prestarmos mais atenção nas nossas experiências. Assim, podemos ganhar cada vez mais intimidade com nossas descobertas, com pessoas inspiradoras, com as texturas do mundo e com a gente mesmo.

Desconhecemos muitas coisas que moldam e regem nossas ações e fazemos escolhas sem nos dar conta se era o que desejamos ou não. É daí que vem a tal “dor do arrependimento”.

O isolamento tem me despertado sentimentos que jamais imaginei sentir e com eles, tenho aprendido que, em vez de desejar o que não é possível, experimento desejar estar aberta para o que pode acontecer agora.

E … ao pensar no desejo como movimento, recordo-me da afirmação do antropólogo Tim Ingold “vida é tudo o que se movimenta”.

Por isso, acredito que o desejo de nascer é o primeiro e o mais importante movimento de todo ser humano. É desejar experimentar o mundo.

Viver é o mais importante dos desejos.

O isolamento físico continua e todos os dias, daqui da minha janela, desejo dias bons para você, para nós!

Renata Stort
renatastort@gmail.com

Colaboradores

Renata Castello Branco

renatacastellob@excelenciaconsultoriarh.com