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02/11/2020 Sustentabilidade

Ecofeminismo: O feminino que precisa ecoar no novo milênio

O que determinou o ser mulher na história da humanidade foi o olhar masculino. Afinal eles eram os filósofos, os representantes religiosos, os legisladores, os líderes das grandes civilizações, os cientistas, os poetas e escritores, os pintores e chefes da família que sempre colocavam esse ser de características físicas diferentes em papel secundário. Mesmo sendo a responsável por gerar a vida de todos eles, a mulher era quase uma mobília da casa. Por isso não podemos esquecer Simone de Beauvoir, “Não se nasce mulher: chega-se a sê-lo”. Em tempos de crise de gênero, fica cada vez mais evidente que ser mulher é antes de tudo, uma construção social. E por que nesse momento de pandemia parece oportuno falar de Ecofeminismo? Porque um estudo realizado pelo Fórum Econômico Mundial, entre 194 países, os liderados por mulheres tiveram melhor desempenho diante do coronavírus.

Os historiadores identificam os primeiros sinais em prol da igualdade entre homens e mulheres ainda na Revolução Francesa, onde destacamos a declaração da revolucionária Olímpia de Gouges proclamando que ambos possuíam direitos naturais idênticos de participar da formulação das leis e da política. Apesar da presença de Olímpia e de outras mulheres na Convenção, esse grupo continuou sem representatividade. Muitos pensadores e intelectuais homens do século XIX e início do século XX defenderam os pressupostos doutrinários do inglês Stuart Mill sobre abolição das desigualdades e acesso à educação e aos postos de trabalho para mulheres.

O feminismo emancipacionista ganha novos contornos no feminismo contemporâneo com feministas como Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Kate Millet. O fato é que apesar das conquistas dos direitos jurídicos, políticos e econômicos, ainda existe o estigma de “inferioridade” ou desigualdade natural. A mulher se realiza no mundo como um corpo submetido a tabus e estereótipos usados como justificativas das mais abusivas discriminações sociais. Enquanto o Homem designa a humanidade inteira, a mulher representa a mulher ou as mulheres. A masculinidade é um sujeito livre que se move pelo mundo, e o universo feminino se limita ao privado, a cuidar da casa e dos outros, servir, agradar e seduzir. Assim, mais que igualdade, o feminismo contemporâneo luta pela libertação desses valores patriarcais, machistas, dominadores.

Esses valores predominantes na história da humanidade são os princípios que determinaram e ainda pressionam as relações entre o homem e a natureza. O ecofeminismo aparece pela primeira vez no livro “Le feminisme ou la mort” da autora francesa Françoise d’Eaubonne onde ela associa o comportamento de dominação ambiental com o comportamento dos homens que se impõem às mulheres. Contra o sistema até então predominante de hierarquias: masculina, socioeconômica, étnica, biológica, geográfica … o ecofeminismo luta por um novo mundo onde homens e mulheres se respeitem e se vejam como iguais, contribuindo um com o outro para uma vida mais plena em harmonia com o planeta, a nossa casa comum.

Quando Fritjof Capra fala de um novo paradigma ecológico, ele afirma que valores auto-afirmativos associados ao pensamento masculino, nos levaram à crise ambiental do planeta e sugere que valores integrativos, ditos femininos, são fundamentais para um projeto de sustentabilidade. Veja os valores no quadro:


Por isso em diversos veículos há matérias que mostram um consenso de que as lideranças femininas tiveram resultados melhores na resposta à pandemia. Chefes de estado como Angela Merkel (Alemanha), Jacinda Ardern (Nova Zelândia), Mette Frederiksen (Dinamarca), Tsai Ing-wen (Taiwan), Sanna Marin (Finlândia) e Erna Solberg (Noruega) foram destaque de uma pesquisa realizada pelo Center for Economic Policy Research / Fórum Econômico Mundial. Vários fatores afetaram nos resultados da pandemia nos diferentes países do globo, por isso o estudo levou em consideração no processo de análise países próximos com características similares (PIB, densidade populacional, gastos com saúde, etc). Assim a liderança feminina demonstrou mais empatia, comunicação clara e participativa com respostas proativas e coordenadas diante da crise do Covid-19.

Qual a conclusão que podemos chegar com essa pesquisa? Que os homens estão despreparados para momentos de crise? Que as lideranças masculinas ainda não possuem capacidade para uma gestão sustentável? Que falta empatia entre a gestão pública e as pessoas? Há relatos históricos que tribos no passado liderados por mulheres eram mais pacíficos e inclusivos. As mulheres, além de liderança, detinham conhecimento das ervas para cura e dos rituais para proteger a comunidade. E figuras femininas eram adoradas pois representavam a fertilidade e a vida. Assim temos às referências e reverências à Pachamama, mãe Terra, mãe Natureza, Gaia e o Sagrado Feminino.

Dois nomes importantes do ecofeminismo são Wangari Maathai, vencedora do Prêmio Nobel da Paz em 2004 através do Movimento Cinturão Verde que plantou árvores para frear a desertificação no Quênia e Vandana Shiva, Phd em Física, ambientalista engajada na defesa dos pequenos agricultores contra o controle das sementes por multinacionais. Não se trata de um movimento de mulheres contra os homens, mas um movimento de tod@s em prol da vida. Palavras de Wangari e Vandana para nossa reflexão:

“Quando se começa a trabalhar seriamente em temas ambientais, a arena passa a ser os direitos humanos, os direitos das mulheres, os direitos ambientalistas, os direitos das crianças, isto é, os direitos de todo o mundo. Uma vez que se começa a realizar essas associações, já não se pode continuar simplesmente plantando árvores.” (Wangari Maathai)

“Nós não podemos permitir que as empresas transnacionais transformem nossas sementes em meras mercadorias. As sementes são um patrimônio da humanidade.” (Vandana Shiva)

Carla Visi
carlavisi@uol.com.br

Colaboradores

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