Publicidade
01/11/2019 Relações Comunitárias

Escola: espaço de educação formal e social

Olá caros leitores da Revista EstimuladaMente. Bom estar com vocês mais uma vez para podermos conversar sobre temas que tanto têm nos feito refletir sobre as questões sociais e nossa existência no espaço comunitário.

Nesta edição conversaremos sobre um tema que nunca se esgota: a escola enquanto espaço educacional formal e seu papel social. É importante entendermos a escola como uma instância de mediação científico-social, ou seja, o lugar onde a educação formal acontece, mas sem perder de vista sua conexão com os contextos sociais, que se dá a partir do entrecruzamento entre a prática pedagógica e a aprendizagem, mas também o entrecruzamento das relações que perpassam e ancoram a prática e a aprendizagem, ou seja, a cultura de escolaridade, as tensões, os contextos, contrastes e acessibilidades. É neste ambiente educacional, onde os processos educativos se desenvolvem, que o sujeito-humano se insere em sua formação acadêmica inicial.

É característica primeira da escola ser um espaço emancipatório e que represente o cenário de socialização e de mudanças, já que a escola se configura como um ambiente social. A educação formal, que acontece no ambiente escolar, encontra-se delineada na vida dos sujeitos como o espaço legitimado onde o conhecimento formal acontece, como também o ambiente em que as especificidades associadas à natureza efetiva e valores humanos devem ser reforçados, sendo, portanto, a composição destes conhecimentos que caracterizam os processos sociais e orientam o trabalho pedagógico das escolas.

Sendo assim, a Educação não pode ser construída, concebida e, portanto, transformadora e emancipatória, se for pautada numa educação em que o indivíduo aprendente, na condição de aluno, seja um mero receptor das ideologias selecionadas e que os reduzem a meros expectadores. Na aliança entre teoria e prática no “fazer educação”, o educador não pode ser um reprodutor “robótico” de práticas pedagógicas voltadas exclusivamente para a transmissão de conteúdo sem reflexão, buscando a disciplina castradora e fomentando a competitividade negativa. Muito longe disto, o educador precisa se compreender como um ator da prática pedagógica relacional, cuidadosa e humanizadora.

Fala-se muito do papel do educador enquanto agente de transformação, tendo que ser um sujeito que tenha um espírito de cidadania, seja crítico, criativo, consciente da importância do desenvolvimento da autonomia e da capacidade de resolução dos problemas, e assim segue. Contudo, para que isto se dê na prática, e o papel social do educador se cumpra, é necessário que o sujeito-educador esteja comprometido em estar em constante processo de aprendizagem, mas principalmente, preparado para lidar com os metacontextos que circundam tanto ele próprio, quanto o educando e a comunidade escolar, considerando suas experiências, valores, as relações, as múltiplas expressões culturais, étnicas e religiosas, as realidades sociais etc.

O educador precisa estar consciente daquilo que planeja e do modelo educativo que deseja praticar. Esse alinhamento deve, consequentemente, repercutir em ações coesas e focadas no propósito maior da educação: a aprendizagem significativa do educando de modo a prepará-lo para a vida. É importante que as atividades sejam realizadas de modo a possibilitar o empoderamento do sujeito aprendente – o educando – e o intercâmbio de saberes entre os atores sociais – educador e educando – visando à construção participativa de alternativas para o desenvolvimento educacional.

Assim, criar condições para que o educando possa reconhecer-se como unidade/coletiva na história da humanidade, deve ser um dos pressupostos da formação escolar, como também para uma nova educação que estimule um processo educativo que seja capaz de desenvolver competências no sentido expresso nos quatro pilares da educação: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver com os outros e aprender a ser (DELORS, 2000).

Desta forma, é possível conceber uma Educação formal-escolarizada de cunho social que seja de fato promotora de transformação. E esta deve valorizar e enfatizar as especificidades de cada realidade regional e local, com as características sociais, culturais, econômicas, religiosas e formais de cada cantinho de cada região, reforçando o pressuposto de que não podemos mais nos prender ao conceito nacionalista de Brasil, mas da democrática forma de lidar com os brasis em sua múltipla riqueza cultural.

Para que isto seja possível, a educação deve ser construção sociocomunitária, numa prática constante do diálogo entre os pares a partir do espaço de mundo do sujeito aprendente – o/a aluno/a – e do sujeito mediador – o/a professor/a. Assim, a escola deve buscar uma relação de conexão entre os atores educativos, sendo eles o/a professor/a, pais, profissionais da educação em geral, e sem deixar de contar também com a participação e aproximação com a comunidade de seu entorno, buscando fazê-lo de forma harmoniosa, sob a perspectiva de uma ação participativa social, visando à construção compartilhada de alternativas para o desenvolvimento educacional.

Ressalta-se que tal cuidado em buscar a participação sociocomunitária escolar estende-se para o momento de construção e implementação dos Currículos, normas, procedimentos de ensino, teorias, linguagem, materiais didáticos, processos de avaliação, de modo que o momento de estruturação, construção e produção do texto dos mesmos contem com a participação dos entes e sujeitos sociais e sejam produzidos a partir da compreensão e necessidades locais, sem deixar de ser universalizante e ao mesmo tempo acessível.

A esta altura o/a caro/a leitor/a deve estar pensando: “ela é uma sonhadora”, e se perguntando: “onde ela vai encontrar essa participação ativa dos sujeitos do universo escolar, na construção coletiva de regras e procedimentos e na constituição de canais de comunicação?”

Primeiro gostaria de lembrá-los que nas edições de números 2 e 3, do ano 1 desta Revista, nós já trouxemos exemplos bem sucedidos da união entre a escola e a comunidade, que vale a pena recordar (se ainda não leu, corre, porque tá excelente!):

Você sabia que Salvador abriga a única escola comunitária considerada transformadora no mundo? Na nossa seção sobre terceiro setor vamos apresentar o trabalho da Escola Comunitária e transformadora Luiza Mahin, que fica no bairro do Uruguai e nasceu da iniciativa da Associação de Moradores do Conjunto Santa Luzia. (BARRETO, 2018, p. 46-47)

No geral, nosso entrevistado explica que as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são escolas comunitárias, construídas e geridas por comunidades camponesas para garantir o acesso da juventude do campo à educação mais apropriada para seu ambiente de vida. Neste caso, os atores e espaços educativos vão para além da sala de aula. A família, a comunidade, as entidades e movimentos sociais se tornam colaboradores na educação dos jovens. (BARRETO, 2018, p. 64-65)

E estes são somente dois das centenas de milhares de exemplos bem sucedidos de comunidades que se uniram para fazer a diferença e lutar por uma educação de melhor qualidade que garanta os direitos constitucionais de acesso ao conhecimento formal. Posso lhe assegurar que se procurar ai pertinho de você vai encontrar algum exemplo como estes.

E neste nosso bate papo trago mais um exemplo de trabalho exitoso, aqui na Cidade de Salvador. O Centro Municipal de Educação Infantil – CMEI – União Boca do Rio é um exemplo de que é possível aproximar a família, a escola e a comunidade para, juntos, pensarem e conceberem a Escola como um espaço que seja de educação formal, mas acima de tudo um espaço de transformação humanizadora, que trás para o ambiente escolar o papel ativo da família, conscientizando-as da importância de sua participação na vida escolar de seus filhos, como também conseguiu criar laços de mútua colaboração e cooperação social com a comunidade de seu entorno. Assim, o processo de educação formal passou a ter significância na vida escolar destas crianças, e foi além, mostrando para toda a comunidade escolar o significado da “estrutura” escolar enquanto patrimônio social.

A Gestora do CMEI União Boca do Rio, Amanda Reis, a Pró Amanda, como é carinhosamente conhecida e tratada por todos, enfatiza a importância de compreendermos a escola enquanto espaço sociocomunitário:

A comunidade é a escola. É inconcebível entender a escola fora do princípio de desenvolvimento comunitário. Os ritmos, os tempos, a cultura, a construção da identidade escolar é reflexo da vida da comunidade. Portanto, as famílias são nossas maiores colaboradoras e apoiam em todas as atividades da escola, desde a tomada de decisões importantes, a partir do conselho escolar, até a organização de eventos para arrecadação de fundos para a escola. (REIS, 2019).

Também destaca a igual importância da participação de todos na concretização de uma educação socialmente qualitativa, e a diferença que fez quando a escola abriu as portas para a comunidade em seu entorno, buscando atender e pensar possibilidades de melhorias para diversas demandas da população local, ao tempo em que também conscientizou-os a participar ativamente das decisões:

Temos algumas frentes de apoio e engajamento social, visto que reconhecemos a importância do papel da escola para a comunidade. Nossa concepção é de escola enquanto espaço comunitário, onde as decisões são tomadas em conjunto e as necessidades de todos os segmentos são escutadas e respeitadas. Temos relação com todas as Associações que se encontram ao nosso redor, temos também o “Diálogos com a comunidade”, um espaço de discussão de temas importantes para o desenvolvimento da comunidade. Hoje também temos uma frente de apoio às mães de crianças com deficiência, com reuniões regulares para tratar de temas como benefício, passe livre e acompanhamento. As rodas de mulheres também são uma realidade, uma rede de apoio e sororidade entre as mulheres, mães, para acolher suas demandas. (REIS, 2019).

Aliado à união com a comunidade, à participação mais ativa das famílias dos alunos e o trabalho cada vez mais comprometido da equipe escolar, o CMEI União Boca do Rio conta também com as ações do Programa Agente da Educação, Programa da Prefeitura Municipal de Salvador, através da Secretaria Municipal de Educação, executado pelo Parque Social, organização sem fins lucrativos, cujo objetivo do Programa consiste em:

promover a melhoria do desempenho escolar dos alunos do ensino fundamental das Escolas municipais, incentivando a permanência interessada do aluno na Escola, a partir da redução da evasão e infrequência, através do acompanhamento da vida escolar e orientação às famílias, incluindo ocorrências indisciplinares e acompanhamento da frequência dos alunos, assim como promover a aproximação entre a família, escola e comunidade, por meio do desenvolvimento de ações que possibilitam a participação dos familiares no ambiente escolar e o seu envolvimento na rotina estudantil, auxiliando-os no acompanhamento e apoio ao aprendizado dos alunos, assim como. (PROGRAMA AGENTE DA EDUCAÇÃO)

O Agente da Educação é estagiário/a, estudante de Pedagogia, que é responsável por desenvolver ações, sempre alinhado com a Gestão Escolar e em parceria com a equipe pedagógica e os demais integrantes da escola, que visem fortalecer a escola enquanto espaço de aprendizagem e interatividade. A Pró Amanda, enfatiza a importância das ações do Programa Agente da Educação no CMEI:

Sempre controlamos o fluxo de frequência dos alunos. […] O Agente articula os múltiplos setores, apoia junto às educadoras e aproxima as famílias das práticas escolares. As visitas domiciliares, o apoio e a frente social é a maior contribuição. Os pais se sentem “olhados”, cuidados. (REIS, 2019).

Como podemos concluir, o papel político, a contextualização prática e a participação coletiva e democrática das famílias e da comunidade, são os pontos principais no exercício efetivo de uma educação de fato social e emancipatória. Apesar de todas as mudanças ocorridas na estrutura educacional, tanto no que se refere às conquistas políticas, quanto às diversas expressões pedagógicas, é necessário manter esta busca pelas mudanças e alçar novas formas de pensar a escola por meio de múltiplos mecanismos e ampla diversidade de arranjos educacionais, escolares, familiares e sociais, de forma coletiva, participativa e democrática, tendo como elemento propulsor os objetivos principais da educação: a emancipação intelectual, a inclusão social, a participação cidadã e, acima de tudo, o desenvolvimento humano.

Deste modo, claro está que, a Educação formal precisa ser pensada dada esta realidade e para tanto é essencial que compreendamos os diferentes espaços escolares como o lugar por excelência de atuação coerente, ética e condizente com as necessidades da comunidade.

Nota:

AMANDA REIS:
Mestre em desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social. Possui formação pedagógica em Educação Transdiciplinar e a Arte de Aprender para o Desenvolvimento Humano, Coach e Analista de Perfil comportamental Disc, Practione de Barra de Access. Formações em andamento: Pathwork e Coaching Sistêmico. Sócia da Estimuladamente – Desenvolvimento do Ser Humano Integral. Diretora da Revista Estimuladamente. Gestora Escolar do Centro Municipal de Educação Infantil União Boca do Rio.

 

Referências

BARRETO, Simaia. Organização global premia escola comunitária no bairro do Uruguai com o título de Escola Transformadora. Revista Estimuladamente, ano 01, nº 02, agosto/2018. Disponível em: <http://www.estimuladamente.com.br/revista/publicacoes/ano-01-no-02-agosto-2018/>

BARRETO, Simaia. Educar para transformar, educar para o campo! Revista estimuladamente, ano 01, nº 03, outubro/2018. Disponível em: <http://www.estimuladamente.com.br/revista/publicacoes/ano-01-no-03-outubro-2018/>

PROGRAMA AGENTE DA EDUCAÇÃO. Disponível em: <http://www.agentedaeducacao.salvador.ba.gov.br/projetos.php>.

Vania Rocha
vaniarocha.antropologia@gmail.com

Colaboradores

Vania Rocha

vaniarochasocial@gmail.com