14/03/2019 Permacultura
Formando para o Biodesign
O assunto de ecologia está na pauta de quase todo designer, até porque é argumento de marketing. Parecer “bonzinho” com a natureza faz bem para a imagem do produto e do negócio. Certo, faz bem mesmo! Afinal, estar bem com seu entorno e em sintonia com as melhores práticas de viver e com a natureza, faz bem. Porém isso não é fácil, nem para quem cria os produtos, nem para quem os produz. Em resposta a esse desafio, as ideias mais ecoeficientes miram no desenvolvimento de produtos coerentes com um bom ciclo de vida, produção, redesenho ou recomposição de função. Isso já acontece no Brasil, porém de forma tímida nos meios de produção com peso econômico.
Como sou professor e designer há um bom tempo, percebo que nas universidades, o tema se faz presente desde o início dos anos 1990, impulsionado pela RIO 92, como as experiências de tratamento do lixo em Curitiba, a permacultura, entre outros. Registra-se uma espécie de preocupação com o uso de energia, tecnologias e aproveitamento de recursos naturais. Na área de estudos rurais, por exemplo, se falava em análise agroecoenergética, tendo como uma das principais referências o professor Gustavo Quesada, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), onde me graduei em design e lecionei 18 anos.
Na mesma época me aproximei de outra referência que questionava a orientação dos designers na produção de bens de consumo, Victor Joseph Papanek, a partir de Design for the Real World: Human Ecology and Social (Change 1971). Literatura conhecida no Brasil, desde antes dos anos 90, apontava para a ideia de design e arquitetura social ecologicamente responsável, necessária para o equilíbrio entre necessidades tangíveis, uso de recursos naturais e da energia humana no processo produtivo. Ele discordava da perspectiva antiga onde as máquinas com alta capacidade de replicar objetos e baratear custos imediatos, são a ideia dominante. Questionava que o barato sai caro e que replicar objeto, embora mais barato, diminui a capacidade de adaptação dos desenhos de produtos aos seus consumidores. É a diferença entre o fast fashion e um alfaiate.
Com essas ideias comecei a formar um pensamento mais histórico do design que nunca se desvincula da produção. Encarei a realidade de que na Revolução Industrial, as cidades passam a se formar ao redor dos núcleos industriais, as zonas rurais se esvaziam e a cultura de convivência com a terra perde para a mecanização e a logística de distribuição de alimentos. Não muda apenas o foco de sustento das famílias, mas também a relação do indivíduo com o espaço, com os recursos naturais, com a estética orgânica e interação saudável com a natureza. As pessoas deixam de sentir diretamente a consequência das suas ações quando não conseguem mais perceber os ciclos naturais e o efeito global das suas decisões.
Mas como nada acontece desconectado nesse universo, contemporâneo a Papanek, Bill Mollison e Reny Mia Slay, num mesmo posicionamento crítico aos modelos de produção altamente entrópicos, publicam Introduction to Permaculture (com edição aqui no Brasil em 1994) definindo a permacultura como “um sistema de design para criação de meio ambientes humanos sustentáveis”. Trata de uma perspectiva de permanência auspiciosa num lugar. As formas de agricultura integradas à inteligência dos sistemas naturais e a relação direta de causa e efeito norteiam a ética e a responsabilidade de cada um num sistema permacultural.
O ponto principal de conexão entre eles, a meu ver, é que convergem na ética de um design ecologicamente responsável quanto ao ciclo de vidas dos produtos, processos e produção de cultura impactantes positivamente na natureza. Ou seja, busca de uma ecoeficiência.
Então a questão é como podemos colocar esse valor na formação acadêmica e empírica dos designers? Considerando minha experiência de avaliador de cursos no Brasil (pelo INEP) e dados das pós graduações que conheço, mesmo com esses suportes teóricos, entre vários outros, a prática do design mais íntegro desenvolveu-se pouco. É só observar que a legislação ambiental é pouco aplicada e mesmo nós que somos sensíveis ao tema não temos muitos hábitos, cultura, de ecoeficientes.
Com objetivo de atender melhor a formação de um designer com inteligência criativa e sensibilidade ecológica, tive a oportunidade de desenvolver na Universidade Federal de Goiás com meus parceiros colegas e alunos, um novo currículo de design e o BioDesign Ecolab. Nesse processo, uma das primeiras ações foi buscar um terreno para construir espaços de laboratório e aulas com os métodos permaculturais. Nessa proposta as técnicas de construção e zoneamento se complementarão com conhecimentos locais como de quilombolas que auxiliarão no design da cobertura natural, com tramas de palha, para um galpão de secagem de bambu. Bambus que serão parte do design do espaço e de artefatos para o curso. Calouros e veteranos construirão parte do seu próprio espaço de estudo, numa universidade pública, e espera-se que incorporem um sentimento de apropriação e cuidado com seu espaço.
O currículo aprovado em 2018 e a instalação do laboratório já têm consequências. Os alunos começam a se questionar mais a respeito do próprio sistema de vida doméstica, o que apareceu muito em expressões como: “quanta embalagem eu uso!”, “quanto lixo poderia virar fertilizante” e “quero ajudar a plantar árvore!”. Com essas percepções e a necessidade inclusive de professores terem uma real experiência em estratégias de design e sustentabilidade, elaborou-se um Programa Formativo em Didáticas e Pedagogias para Design Sustentável, uma iniciativa do BioDesign Ecolab, com o objetivo de vivenciar o que se propõe como resultado do curso.
Para entender melhor o que estamos fazendo, sempre indicamos para nossos alunos a leitura de Braungard e McDnough – Cradle to Cradle: recriar e reciclar ilimitadamente (2014), pois trazem uma ideia expressa no conceito “do berço ao berço”, colocando para nós designers a responsabilidade de projetar muito mais que as formas e funções de uso dos produtos, mas seu ciclo de vida e sua gestão. Ecoeficiência passa a ser como “fazer mais com menos” popularizando a ideia de reduzir, reusar, reciclar e regulamentar.
Todas essas perspectivas que parecem muito papo de professor (e sou professor) não é descolada do meu cotidiano em casa ou no trabalho, da minha criação como designer (ou artista) ou professor. Assim, pensando em ecologia, sustentabilidade, ecoeficiência, permacultura e tudo o que os autores colocam e minhas experiências, fica uma certeza que a didática para aprender sobre o assunto necessita de experiências, práticas que te permitam, como numa reflexão ou meditação ativa, sentir e incorporar essa energia de cuidado e respeito pela natureza.
Carlos Hoelzel
Designer, Professor e Coordenador do BioDesign Ecolab da UFG.