12/10/2018 Tecnologias Sociais
Arte de Viver leva ações de respiração, meditação e yoga para o sistema prisional.
Querido leitor, como visto na primeira edição, a proposta da nossa revista é apresentar abordagens inovadoras que proporcionem uma reflexão sobre nossas vidas a partir de perspectivas diferenciadas.
Então, nesta edição vamos falar de amor, espiritualidade e como uma ação voltada para meditação tem sido utilizada na vida de pessoas que estão no sistema prisional em Salvador.
Nosso entrevistado é Gabriel Lúcio Pinto de Oliveira, tem 27 anos, estudante de ciência da computação na Universidade Federal da Bahia, professor de yoga, licenciado pela Yoga Aliance, terapeuta Ayurveda e voluntário da organização Arte de Viver. Quem já conhece ou ouviu falar dela em Salvador? Alguns devem ter ouvido falar que é um lugar de meditação, práticas de yoga e outros podem imaginar que é uma organização religiosa. Vamos entender?
Segundo nosso entrevistado, há vinte anos, o empresário baiano José Rosalvo Peixinho que estava nos EUA a trabalho, resolveu assistir a palestra de Sri Sri Ravi Shankar, fundador da Art of Living Foundation. Após a experiência de meditação que teve durante o evento, Peixinho convidou Sri Sri para vir ao Brasil e ele aceitou. Assim, em 1998, a Arte de Viver começou seus primeiros passos em Salvador.
Qualquer pesquisa na internet vai apresentar Sri Sri Ravi Shankar como um líder humanitário, espiritual, então pergunto: espiritualidade e religião tem diferença? Nas palavras de Gabriel “A religião tem um papel importante na sociedade. Entretanto, a religião está normalmente atrelada à cultura; nós deveríamos ir além, ir para a espiritualidade – esse é o caminho natural da consciência. Quando você se move da religião para espiritualidade, percebe que tudo neste mundo te pertence, fazemos parte de um todo. Você não apenas percebe que pode existir união na religião, como também ir além da religião. Sri Sri Ravi Shankar e a Arte de Viver têm como objetivo unir as pessoas de todas as religiões na espiritualidade, reforçando os valores humanos universais. No dia em que a Arte de Viver se tornar uma organização religiosa, ela não será mais a Arte de Viver.”
A Arte de Viver desenvolve inúmeras ações, vamos destacar aqui uma considerada por Gabriel como uma tecnologia social. Estamos falando do PRISON SMART, uma ação, que, segundo o entrevistado, possui objetivo de reduzir a violência no ambiente altamente estressante do presídio, utilizando técnicas de yoga, respiração e meditação com a ajuda de voluntários. O trabalho não demanda muito material e as técnicas milenares vêm sendo aplicadas há séculos. Por isso mesmo considerado uma tecnologia social.
Para quem não lembra, “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representem efetivas soluções de transformação social” são consideradas tecnologia social, como destaca Dagnino (2011). Vamos combinar que a utilização de práticas de meditação para pessoas em situação de prisão é uma metodologia que pensa a transformação social a partir do autoconhecimento.
O Prison Smart nos traz uma visão diferente daquela que geralmente pensamos. Como Gabriel coloca que, honestamente, ele nunca havia se imaginado trabalhando com detentos, criminosos ou pessoas inocentes que estivessem no sistema prisional. Antes Gabriel pensava que essas pessoas eram marginalizadas e não mereciam viver em sociedade. Mas, a espiritualidade oportunizou a ele uma mudança de pensamento. Desse modo, nosso entrevistado deixa claro que “a justiça entende que, quando alguém comete um erro, deve ser punido; a espiritualidade busca entender o porquê de a pessoa ter cometido esse erro (…). A Justiça foca apenas na ação do indivíduo; a espiritualidade, no processo mental (mentalidade) que o levou a praticar a ação. E a solução para ambos, para a ação e a causa da ação de alguém, é o isolamento, é a meditação. Isso é o que a prisão supostamente deveria fazer: isolar as pessoas para que elas aprendam a ir para dentro delas mesmas e voltar desse lugar com sua verdadeira natureza, que é o amor. Isso é a verdadeira reabilitação: trazer sua mente e seus pensamentos na direção certa.”
O primeiro curso Prison SMART foi feito em Salvador em 2002, mas não houve continuidade. Só em 2015 a ideia do programa foi retomado e possui como intuito fazer com que as pessoas adquiram mais consciência. Afinal, de qual consciência Gabriel fala? “a consciência, o amor, é um só. Algo que permeia todo o universo. Somos expressões dessa consciência, portanto, no final, somos todos iguais, uma única coisa. A ideia é trazer esse pertencimento para essas pessoas que, muitas vezes, não tiveram contato com o amor. É isso que elas descobrem no programa. Quando você ama algo, você quer proteger, cuidar, respeitar. (…) E, inevitavelmente, a sociedade é constituída desses indivíduos. Portanto, se melhores indivíduos, consequentemente, uma sociedade melhor.”
Para funcionar, o PRISON SMART, conta com um termo de cooperação técnica com a Secretaria de Administração e Ressocialização Penitenciária (SEAP – BA). Esse termo concede autorização do governo para que o trabalho seja realizado nas unidades penitenciárias. A empresa Cia do Seguro ajuda na manutenção do projeto com donativos como material de impressão, comida e transporte. E você, também pode ajudar seja com a divulgação do projeto, organização de palestras, donativos financeiros e de material, ajuda na organização do programa etc. Procure a Arte de Viver!
Essa ação realizada pela Arte de Viver e o conjunto de seus voluntários é realmente uma provocação a toda sociedade porque nos convida a pensar uma sociedade mais humana onde cuidamos uns dos outros.
Percebi com o entrevistado que o ato de autoconhecimento através da meditação permite a todos uma consciência da sua individualidade e das emoções. Pergunto a vocês leitores: se a meditação pode ser utilizada na recuperação de pessoas em situação de prisão porque não a usar na prevenção da violência? Já imaginou um programa de meditação nas escolas públicas e privadas? Acho que seria interessante, e vocês o que acham?