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12/10/2018 Eroticamente

A importância das preliminares…

Em nossa última edição, convidei-lhes a estimular as nossas mentes quanto à sexualidade, lembra? Se você está lendo esse texto, suponho ter aceitado o desafio… Então, passemos agora a uma das fases mais importantes do processo: as preliminares!

Não há como garantir prazer extremo, se o estímulo não for intenso. Então, vamos à exploração! É importante compreender a força que a sexualidade tem nas relações humanas e como esse artifício se constrói e opera historicamente.

A excitação sexual nos tira o fôlego e nos transporta para zonas extremamente delirantes. Quem tem sua sexualidade resolvida certamente já se perdeu entre fluídos, suspiros, sorrisos e lágrimas… Porém, se a experiência sexual na atitude prática hoje em dia está posta de forma mais livre e autorizada, nem sempre foi assim.

Foi no século XVI que se deu o marco de investigações sobre a discursividade sexual. Porém, a Era Vitoriana (século XIX) ficou conhecida como o período em que se inauguram as interdições desse discurso.

O contato da humanidade com as mais ardentes obscenidades não é marca exclusiva do tempo atual. Beijos, abraços, toques, mãos, gostos e cheiros são os elementos que se sobressaem na excitação sexual preliminar. A história do sexo na sociedade brasileira também começa como carícias que antecedem uma relação sexual de sucesso.

Desde o fim dos anos de 1500 havia livre trânsito do assunto. Óbvio que a tecnologia nos possibilita intensos tremores e sussurros resultantes de uma excitação sexual exageradamente intensa. Hoje em dia, através da experiência de outrem ou vasto acervo de objetos, livros e filmes é possível vivenciar episódios sexuais superlativamente enlouquecedores, em arranjos variados de participação.

Diferente de alguns territórios da atualidade, não se considerava pecaminoso nem indecente debater a questão. Entre adultos, jovens e crianças não havia qualquer desconforto diante de gestos, anatomias ou discursos ligados à libido.

A insígnia do segredo só vem marcar o discurso sobre a sexualidade a partir da pastoral cristã, em meados do século XVII, cuja confissão se conformaria no único dispositivo autorizado para a enunciação desta natureza.

Do século XVIII em diante, abrem-se importantes espaços para o tratamento do tema, apesar de certas restrições na dicção. Começa a fermentação discursiva sobre o assunto, principalmente devido ao crescimento do ritmo do sacramento da confissão, instaurado pelo Concílio de Trento durante a Contrarreforma da Igreja Católica, como alternativa para a remissão dos pecados e alcance da salvação eterna. Assim, a elevação da atmosfera de culpa e castigo ao que se refere à carne, desloca o erotismo à condição de perversão. Como havia relação direta entre corpo e espírito para compor o argumento do pecado, forçava-se a construção de discursos sobre a própria sexualidade apenas em confidência consagrada como método de correção de possíveis posturas infratoras, para a manutenção da decência e da moralidade – princípios manipulados para assegurar a unidade da fé e a disciplina eclesiástica, no contexto da reação à divisão, então vivida na Europa, devido à Reforma Protestante.

Com a ascensão da burguesia, no século XIX, resultado da primeira revolução industrial na Europa, surgem as primeiras manifestações de interdição ao discurso sobre as sexualidades, promovendo a migração dessas enunciações para os casais legalmente autorizados pelo signo matrimonial. Assim, desde que salvaguardados com máxima discrição, reservados à intimidade, alguns diálogos acerca do sexo eram autorizados.

Nesse contexto, para os indivíduos, que optassem pela transgressão ao impedimento instituído, havia duras sanções, variando entre a exclusão do convívio social, ao rótulo de anormalidade associado a patologias, cujos internamentos em clínicas médicas especializadas seriam o único recurso para a adequação de tais sujeitos à convivência coletiva.  Dessa forma, os indivíduos “rebeldes”, criam espaços reservados para tais discussões e vivências. Os meretrícios, portanto, se distanciam dos circuitos da produção e do lucro, a fim de garantir a estes ciclos certa ordem e polimento necessários às transações comerciais. Aos ambientes logrados ao progresso econômico da sociedade, traçam-se, refinados métodos de inibição baseados no silêncio, que reverberam no mutismo e no apagamento que se pretende desdobrar em inexistência do tema sexual nos grupos privilegiados. Contudo, quanto maior a proibição, mais refinadas são as estratégias de subversão. O humano nunca deixa de atender ao instinto carnal, ele cria mecanismos de aproveitamento da sexualidade até seu esgotamento limite, no ápice do orgasmo.

A permanência dos discursos sexuais ficava, portanto, restrita às zonas de desprestígio, que serviam de alternativa para aqueles que porventura quisessem experimentar momentos de contravenção. Surgem desta maneira, nichos de mercado ocupados em vender e comprar todo e qualquer produto relacionado ao sexo.

Note-se que a relação entre sexualidade e consumo está nos primórdios históricos de sua existência enquanto possibilidade de interação humana. Gerir o proibido produz lucros exorbitantes. Dessa forma, a interdição não passa de uma manobra socialmente construída para multiplicar capital, vez que afronta determinadas ideias de moral, disciplina e ordem: elementos essenciais às sociedades ocidentais “respeitáveis”. Essa relação se traduz no vocabulário direcionado às vivências sexuais, em termos como: “comprar, pagar, comer, sorver, ter posse sobre, trocar, vender…”. Como se nota, a diversidade de discursos que amplia a visão da sexualidade para um espectro político de demarcação de vozes é marca da contemporaneidade.

Em contraponto, naturalizar a discussão geraria prejuízo. Ter clareza sobre este repertório nos tira a confortável ignorância de atuar desavisadamente a serviço de uma construção discursiva que toma o exercício de poder de forma perversa, controlada e violenta.

A partir de agora, não há como recuar, estamos todxs comprometidxs!

Descortinar dogmas e valores morais nos desloca para a clareza. Essa não é uma posição confortável! Nem sempre as explorações realizadas nas preliminares atendem às nossas expectativas…

E aí? Como foi pra você?

Colaboradores

Micheli Cruz

michelitera@gmail.com